Crítica

Em alguns filmes, basta o crédito inicial que afirma tal trama ser “inspirada em uma história real” surgir para que se aceite tudo que é visto na tela a partir daquele momento. No entanto, independente do que se possa argumentar, seguimos frente a uma obra de ficção e, como tal, ela precisa ser crível e funcionar dentro de uma certa lógica. E se qualquer aula básica de roteiro ensina que “a vida pode ser absurda, enquanto que aquilo que é criado necessita fazer sentido”, as mentes ‘criativas’ por trás de Gênios do Crime devem ter faltado a esta lição. O que se vê aqui não só é completamente inacreditável, como também chega a ser irritante pela falta de crédito que os realizadores dão aos seus desventurados espectadores. É tanta idiotice reunida que imaginar que alguém possa acreditar no que aqui é exibido só torna os que entregam essa mentira ainda mais tapados do que aqueles que conseguirem encontrar alguma graça nisso tudo.

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O roubo à transportadora Loomis Fargo de outubro de 1997 entrou para a história policial dos Estados Unidos como o de maior valor já praticado nesse modelo específico de assalto. Foram incríveis US$ 17 milhões que desapareceram. O mais surreal, no entanto, eram os tipos por trás desse plano: um carregador/motorista infantilóide, sua ex-colega sem eira nem beira que pensa que é musa mas não tem onde cair morta, um pilantra de meia tigela que envolve os dois nessa roubada e um assassino profissional que não é tão restrito assim às próprias regras. E se tais descrições parecem exageradas, basta imaginar que para interpretá-los foram convocados Zach Galifianakis (um pateta que tem sempre a mesma expressão no rosto), Kristen Wiig (que já viveu dias melhores, totalmente desaproveitada), Owen Wilson (em um papel recusado por Jim Carrey) e Jason Sudeikis (que tenta se desfazer da imagem de engomadinho que lhe é constante, mas o cabelo intocável estraga qualquer esforço neste sentido).

Se o quarteto de comediantes não for suficiente para entregar o tom perseguido pelo enredo, soma-se a eles ainda Kate McKinnon e Leslie Jones (as duas que, assim como Wiig, estiveram em Caça-Fantasmas, 2016, e com um resultado muito superior), além de Ken Marino (que foi colega de Sudeikis em Família do Bagulho, 2013) e Jon Daly (Zoolander 2, 2016). Enfim, é praticamente uma reunião extraoficial do elenco do humorístico Saturday Night Live, porém sem a mesma afiada equipe de roteiristas. No lugar deles entrou o trio formado por Chris Bowman, Hubbel Palmer e Emily Spivey. Em comum, todos já havia sido parceiros em um ou mais trabalhos do diretor Jared Hess. Quem não está ligando o nome à pessoa, basta dizer que se trata do responsável por um dos sucessos independentes norte-americanos mais infelizes deste século: Napoleon Dynamite (2004). Alçado à posição de gênio com essa ode à mediocridade, falhou em obter a mesma recepção – seja do público ou da crítica – com seus exercícios posteriores (como Nacho Libre, 2006). E agora soma mais um tropeço à lista.

É comum afirmar que é mais fácil fazer um bom filme a partir de um argumento ruim do que o contrário. Ou seja, se a fonte já não era grande coisa, qualquer improviso positivo já será considerado um ganho. No entanto, se a base for sólida e dona de qualidades próprias, o esforço para superá-la em um outro formato será muito maior. Essa pode ser a definição do que se percebe em Gênios do Crime. O personagem de Owen Wilson é totalmente inconsistente, sem passado nem futuro, e existe apenas para iludir os ingênuos vividos por Wiig (que pouco tem a fazer em cena) e Galifianakis (outro sem personalidade definida, mudando de acordo com o vento). Quando ele a convence a enganar o antigo colega para envolvê-lo no roubo, esse faz o que lhe é pedido por pensar que está atendendo a um pedido de uma mulher apaixonada – o que esta longe de ser verdade. No entanto, assim que o roubo se dá – de forma tão ridícula que é de se perguntar como nunca houve outro antes – ele é o único que precisa fugir para o México. Ela é escanteada, enquanto que será justamente aquele que nada fez – além de ter tido a ideia – que irá desfrutar da fortuna que cairá em suas mãos. E em nenhum momento os dois tolos acharam tal esquema no mínimo estranho?

Untitled Armored Car

No entanto, ainda que besteira pouca seja bobagem, o mais bizarro mesmo é a falta de química entre os envolvidos. Galifianakis e Wiig não combinam, Wilson cria mais um antipático para seu currículo e Sudeikis muda no meio da trama da água para o vinho, criando um tipo tão artificial que será impossível sequer considerá-lo uma ameaça. E se a conclusão aposta em uma comédia de erros ao estilo dos Três Patetas, em que só falta torta na cara, o filme ainda se arrisca a dar uma explicação aos US$ 2 milhões que nunca foram recuperados pela polícia – e se lembrarmos que um dos bandidos serviu de consultor para o filme, tais suposições podem facilmente ser levadas à sério demais. Afinal, como diz o ditado, se em terra de idiotas aquele que consegue agir minimamente normal pode ser chamado de rei, nenhuma possibilidade pode ser descartada.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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