Crítica

A abertura é um estrondo. O final, um gemido. Recheado de polêmica, o longa de Diastème não foi exibido em diversos cinemas por conta das ameaças recebidas após sua produção. Selecionado no Festival de Toronto do ano passado e também parte do 6º My French Film Festival, French Blood é duro, pesado, violento, não apenas com as imagens, mas no próprio discurso. Inclusive, traz um tema mais que necessário em época de redes sociais onde o ódio ao próximo tem se manifestado de maneira assombrosa. Afinal, neonazismo é, por si só, uma questão recheada de pontuações incisivas.

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Aqui acompanha-se duas décadas na história de Marc, um skinhead que agride árabes e negros, além de expor propagandas de extrema direita em todo o lugar que vai. Aos poucos este ódio por outras raças começa a desaparecer e o arrependimento começa a crescer. Como mudar de pensamento e de vida após tanto tempo cultivando uma raiva do mundo e dos outros por um pensamento tão retrógrado? O cineasta tenta responder a esta questão de diversas formas, mas acaba falhando no principal, que é manter uma coesão no debate. Ao utilizar quase vinte anos para mostrar a transformação do protagonista, Diastème se apoia demais no âmbito temporal e pouco no circunstancial para que entendamos as mudança sofridas.

O início do filme, com um trio de skinheads que assalta um grupo árabe violentamente, mostra que o diretor não tem medo de ser o mais realista possível nesta discussão. A sequência vai da rua para um bar, onde o confronto entre gangues rivais termina em morte. A intenção parece um tanto óbvia, mas deve ser mostrada: a vida daqueles jovens (da qual Marc faz/fazia parte) está predestinada a um trágico se eles continuarem daquele jeito. Apesar disso, há a questão do estereotipo que parece saltar mais na história do que precisava: a construção psicológica familiar do protagonista. É a velha história de traumas de infância difícil: pai alcóolatra, mãe passiva, bairro violento de Paris. Como se todos estes ingredientes fossem necessários para realçar seu ódio e a violência interna que experimenta diariamente.

O ator Alban Lenoir, intérprete de Marc, tenta fugir ao máximo destas questões ao construir o personagem de maneira própria, causando pena no público por seus caminhos mal traçados, mas nunca empatia suficiente para que nos identifiquemos com ele. Marc é um ser flutuante que não sabe para onde vai – e o público, menos ainda. No fim das contas, Marc é apresentado como alguém sem ideias próprias e, por isso mesmo, não consegue chegar a lugar algum, mesmo quando resolve mudar seus pensamentos. Afinal, ele busca uma saída para que? Sua raiva contida? A vontade de despejá-la em outros que não tem nada a ver com aquilo? Ou ele quer, realmente, ser alguém “melhor”?

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Ao flutuar sob tantas questões, Diastème apresenta um projeto interessante em sua sinopse, mas que falha em diversos momentos por não afinar seu discurso. O realismo dos discursos nazistas (grotescos, mas reais) sugerem ao público que pensemos sobre como alguém pode seguir esta linha. O cineasta não se isenta de posição, mas prefere mais apresentar fatos do que questioná-los a todo momento. Talvez com um pouco mais de direção, o tiro fosse certeiro. Da maneira que foi disparado, deixa apenas uma ferida de raspão. Ardido, mas de recuperação fácil.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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