Crítica

O poder de voz das mulheres, seja político, social ou sexual, foi relegado por séculos em todo mundo. Aliás, milhares de anos. Foi só a partir do século XX que os homens começaram, aos poucos, a dar ouvidos a elas. Porém, este tem sido um processo lento, mesmo nos dias atuais. Na década de 1950 então, este poder ainda era tímido, mas grupos feministas já demonstravam sua força, ainda que isoladas. Na produção franco-canadense Foxfire – Confissões de uma Gangue de Garotas se encontra o retrato deste girl power latente através do olhar de adolescentes que se rebelaram contra o sistema machista da época. Uma interessante experiência do cineasta francês Laurent Cantet, vencedor da Palma de Ouro em Cannes por Entre os Muros da Escola (2008).

O livro da norte-americana Joyce Carol Oate já havia sido explorado em 1996 no filme Rebeldes, estrelado por uma novata Angelina Jolie. A história é contada sob o olhar de uma das criadoras do grupo, Maddy (Katie Coseni, premiada no Festival de San Sebastian por este trabalho). Após uma das colegas de aula ser humilhada publicamente por um professor, ela e outras garotas resolver se vingar de todos tipos de crimes cometidos contra o gênero feminino e acabam formando o Foxfire do título. Quem toma a liderança da gangue é Legs (Raven Adamson), a melhor amiga de Maddy.

É a Legs que todas seguem, não apenas por ser a mais inteligente do grupo, mas também por ser a mais corajosa, politizada, que enfrenta até juízes com palavras fortes. É ela que acaba sendo mandada a um reformatório de meninas por seis meses, o que desestabiliza o grupo neste período. Porém, com seu retorno e sua busca por um lar ideal para todas é que as garotas vão morar em uma casa no campo, vivendo numa espécie de sociedade hippie com divisões de tarefas. Os problemas começam a crescer quando, para se sustentar, o grupo aplica não apenas golpes, mas furtos, roubos e até um sequestro que termina de forma trágica.

Um dos aspectos mais interessantes da narrativa é a falta de julgamento do seu diretor. Ele deixa a câmera contar a história sem tomar posicionamentos, sem mostrar que os homens são ruins e as garotas são umas santas. Afinal, mesmo um grupo de adolescentes não é homogêneo e preconceitos e implicâncias acabam aflorando à medida que novas integrantes vão se juntando ao Foxfire. Em um determinado momento, uma das colegas de Legs no reformatório, uma garota negra, é recusada no grupo após votação entre as participantes. Ao mesmo tempo, comentários sobre a suposta homossexualidade de uma delas também vem à tona como se fosse causar um problema na gangue.

Um dos maiores méritos do longa é deixar o espectador tomar suas próprias conclusões sobre como o grupo, com ideais tão fortes, acabou se desconstituindo à medida que foi crescendo e, por consequência, se desvirtuando de sua idéia inicial. Neste sentido a narração de Maddy se torna ainda mais interessante, já que ela foi a primeira a sair do grupo e ficou anos sem falar com suas colegas. A partir de sua saída, outras seguem seus caminhos quase como um efeito dominó. Não pela popularidade da primeira (que era bem baixa, por sinal), mas se no início o intuito era das meninas se protegerem, ao fim parecia que a maioria não sabia mais o que estava fazendo. Foxfire é um belo retrato da força das mulheres que reflete atualmente em todos os âmbitos. É também uma bela homenagem de um diretor do gênero masculino a quem deveria  ter um espaço maior na sociedade – da época e ainda nos dias de hoje.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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