Crítica

Após o impressionante sucesso de X-Men Origens: Wolverine (2009), que faturou quase US$ 400 milhões em todo o mundo, o astro Hugh Jackman decidiu ficar um tempo fora do radar. Isso até Gigantes de Aço, lançado no ano passado. Nestes dois anos, marcou presença na comédia independente Butter (ainda inédita no Brasil), ao lado de Jennifer Garner, fez uma aparição não-creditada em X-Men: Primeira Classe (2011) e esteve em uma pequena participação nesta interessante história asiática, Flor da Neve e o Leque Secreto. Agora, quem for conferir o drama dirigido por Wayne Wang baseado no romance de Lisa See por causa do ator, um aviso: o tempo inteiro dele em cena durante todo o filme não deve chegar a dez minutos. Seu nome nos créditos serve apenas para dar prestígio a uma obra bonita que merece ser descoberta.

Diz a tradição milenar chinesa que garotas só são atraentes e conseguem bons maridos se tiverem pés pequenos. Assim, ainda na tenra infância, elas tinham seus pés mutilados pelos próprios pais ou vizinhos, que os enfaixam fortemente, quebrando-os e forçando-os a crescer deformados. Esse é apenas o exemplo mais evidente na época do papel que a mulher possuía nessa sociedade. Desprezada pela família, pais, irmãos e mesmo pelo esposo, deveria apenas para cuidar da casa, dos filhos e para servir na cama. Sozinha e cada vez mais reclusa, um outro costume surge para prevenir tamanha solidão: a figura da laotong, ou amiga eterna. Trata-se de uma outra menina na mesma condição que irá contar com esta nova “irmã” para dividir seus problemas, medos e inseguranças por toda uma vida.

Flor da Neve e o Leque Secreto fala da trajetória de duas laotong, Flor da Neve (Gianna Jun) e Lily (Bingbing Li). As duas são juradas uma a outra ainda crianças, no século XIX, e enfrentam diversas dificuldades juntas. Enquanto uma consegue um bom casamento, a outra acaba esposa de um açougueiro. As diferenças entre elas acaba pesando demais, separando-as. Mas o registro de todos estes sentimentos, temores e dúvidas fica registrado em leques artesanais – inclusive o que conta os reais motivos do afastamento entre elas. Esse leque servirá, muitos anos depois, para justificar o que aconteceu entre as netas delas, Nina e Sofia (interpretadas pelas mesmas atrizes), igualmente laotong entre si e que passam pela mesma situação: uma desavença abalou os laços que existiam entre elas, e Sofia só possui a chance de rever essa ligação nas vésperas de receber uma promoção no trabalho e ser enviada para morar em Nova York, quando descobre que a amiga está em coma num hospital.

Jackman aparece apenas no terço final do filme, como o ex-namorado australiano de Nina, que surge enquanto ela está inconsciente para tentar, ao lado de Sofia, elucidar o que aconteceu com a antiga paixão. Wayne Wang, apesar de ter construído sua carreira nos Estados Unidos, volta à sua terra natal (Hong Kong) e faz aqui um trabalho bastante sensível, talvez o seu mais pessoal, no mesmo tom do elogiado O Clube da Felicidade e da Sorte (1993) e bem distante dos descartáveis Encontro de Amor (2002) e As Férias da Minha Vida (2006), por exemplo. A fotografia é delicada com os personagens, e trilha sonora é estudada, e as transições de tempo – ambas as tramas são contadas simultaneamente – são bastante precisas e envolventes. Flor da Neve e o Leque Secreto é um filme, acima de tudo, feminino, principalmente no sentido de vislumbrar as relações entre seres mais frágeis e desvendar uma cultura exótica aos olhos ocidentais. Nada muito profundo ou elaborado, mas ainda assim criterioso e muito bem cuidado.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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