Crítica

Ao se retirar da profissão de dentista, Caroline (Fanny Ardant) se depara com um problema até então impensável: e agora, o que fazer? Há algum tempo aposentar-se deixou de significar parar. Com boa saúde e condição financeira estável, os 60 anos deixaram de ser o início da espera, e inauguraram a possibilidade de uma vida nova.


Sem saber com o que se ocupar, a personagem de Ardant ganha das filhas alguns meses no Belos Dias, clube em que é possível encontrar qualquer tipo de atividade genérica. É em meio a uma aula de teatro que somos apresentados à protagonista. De postura ereta, rosto fechado e andar rijo, estamos diante de uma mulher controlada, acostumada a antever suas ações e podar seu comportamento.

A segurança trazida pela idade se ampara no casamento estável - e desinteressante - com Philippe (Patrick Chesnais), como se novidades e mudanças fossem luxos alheio. Isso até conhecer o jovem e charmoso Julien (Laurent Laffite), professor da aula de informática. Bastaram alguns olhares, algumas insinuações para que se vissem frente a frente bebendo vinho em um restaurante. O envolvimento era questão de tempo e oportunidade, não necessariamente de afeto. É na cama do homem quase trinta anos mais novo que redescobrimos Caroline. Sem o penteado imponente, com a risada fácil e comentários fúteis, somos levados a alguém que ela própria não sabia ter sobrevivido aos anos.


Os Belos Dias é dirigido por Marion Vernoux, ao retomar seu tema preferido, os relacionamentos, depois de um hiato de quase dez anos, desde À Boire. Com roteiro da diretora e de Fanny Chesnel, tendo por inspiração o livro desta, o filme deve em demasia à atuação de Fanny Ardant. As participações de Chesnais e Laffite estão longe de ruins, mas seus personagens lhes permite pouco, mesmo no terceiro ato, quando Philippe se torna mais presente.

Caroline torna-se mais confusa à medida que o relacionamento com Julien se intensifica. Talvez não tenha sido apenas sexo. Talvez a experiência, obstinado alerta sobre o futuro improvável da aventura, esteja prestes a errar. Assim como não se aplaca a diferença de idade, não se escapa da desconfiança. Quando a notícia do relacionamento deixa de ser segredo, as amigas comentam o caso como vitória. Elas pensam na vingança do gênero, na derradeira justiça de tantas gerações, mas ser mártir de uma causa é importante, desde que não seja seu o sentimento em jogo, que não seja sua a morte.


Mesmo na falta de um desfecho digno da complexidade da protagonista e dos valores que estão em jogo - seria demasia considerar a decisão final como um retrocesso, justificável mais pelo medo do que pela certeza? - Os Belos Dias é um drama correto, preciso no que trata e legítimo na abordagem. Verdoux peca, entretanto, no excesso do convencional, que incomoda e acomoda, como o casamento da protagonista.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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