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Sinopse

Caio tem 40 anos e trabalha em um ferro-velho no interior. Hoje possui uma companheira e uma ocupação constante, mas no passado levou uma vida de grande irresponsabilidade, da qual saiu vivo por sorte. A proximidade do Natal faz com que faça um balanço, decidindo retornar para casa.

Crítica

Selton Mello é um cara legal. Um ótimo ator, consciente das suas escolhas e ousado em seus projetos. E este espírito inquieto ficou claro mais uma vez ao estrear, com apenas 35 anos, como diretor em Feliz Natal, produção acima da média dentro do cenário nacional. Não é uma obra para grandes públicos, e a linguagem aqui utilizada está distante da empregada por ele enquanto ator de filmes como O Auto da Compadecida (2000) ou o recente Meu Nome não é Johnny (2008), e sim mais próxima de trabalhos como Lavoura Arcaica (2001) ou O Cheiro do Ralo (2006). Um longa para poucos, mas que compensa todo o esforço necessário.

Em seu primeiro movimento como realizador, Selton revela uma maturidade impressionante. Também autor do roteiro e responsável pela produção e pela edição, ele nos coloca diante de personagens complexos, que demoram para revelar suas verdadeiras motivações. Não sabemos o que fazem, nem o que os levaram até aquele ponto. Muito menos o que pensam e para onde vão. Tudo é revelado com parcimônia, com muito cuidado, e somente o estritamente necessário – na concepção do diretor, claro. Ou seja, há ainda o que permanece obscuro mesmo após o término da projeção, acompanhando o espectador no caminho de volta para casa, como algo incômodo, porém imprescindível.

Feliz Natal começa quando Caio (um discreto Leonardo Medeiros) decide deixar a esposa cuidando do ferro velho que administram para ir passar a noite de Natal com a família, no Rio de Janeiro. Ao chegar se depara com o sobrinho menor (o pequeno Fabrício Reis, um grande destaque), a mãe bêbada (uma estonteante Darlene Glória, em um papel que não existia no enredo original e que foi escrito especialmente para ela), o pai que o rejeita (Lúcio Mauro, surpreendente), o irmão conciliador (Paulo Guarnieri, contido na medida certa, que prematuramente havia se aposentado da vida artística e reconsiderou esta decisão a pedido do diretor) e a cunhada insatisfeita (a fulgurante Graziella Moretto). Caio acaba sendo um centralizador das atenções familiares, como ponto de encontro de frustrações, desilusões e insatisfações, mas termina por se isentar, escapando pela tangente e evitando maiores conflitos. Da mesma forma o filme procura mais revelar cenários, sem buscar conclusões precipitadas e definitivas.

Apesar deste ter sido um dos filmes brasileiros mais premiados deste ano, grande vitorioso dos festivais de Goiânia (9 prêmios, inclusive Melhor Filme, Direção, Atriz – Darlene Glória – e roteiro), Paraná (5 prêmios, inclusive Filme – Júri Popular, Prêmio Especial do Júri e Atriz Coadjuvante – Darlene Glória) e Paulínia (3 prêmios: Direção, Atriz Coadjuvante – Darlene Glória e Graziella Moretto – e Menção Honrosa, para o menino Fabrício Reis), Feliz Natal acabou despertando mais atenção da mídia devido a uma tola polêmica provocada por um “manifesto contra a exploração gratuita da nudez no cinema nacional” escrito pelo ator Pedro Cardoso. Ele se referia a uma única cena em que a namorada dele, a atriz Graziella Moretto, aparece nua diante o espelho. É um momento rápido e fundamental para a compreensão dos sentimentos emulados pela trama. Cardoso até pode ter sua parcela da razão, mas não neste caso. E qualquer um que diga o contrário não deve ter compreendido direito a profundidade das intenções de Selton Mello.

Sensível e duro, honesto e compreensivo, bruto e delicado, terrível e gratificante, iluminado e doloroso. Feliz Natal é assim, repleto de dualidades e aparentes contradições. Porém aqueles que se dedicarem e conseguirem ir além das aparências encontrarão uma visão singular das coisas que nos rodeiam. Pode não ser o melhor filme do ano – e certamente não é – mas é, sem sombra de dúvidas, um dos mais relevantes feitos em nosso país em muito tempo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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