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Sinopse

April fracassa na tentativa de se tornar uma estrela da Broadway. Então, volta para a sua cidade natal, onde aceita preparar um grupo de crianças para a competição que mudará sua forma de enxergar as coisas.

Crítica

Todos nós já vimos esse filme antes – e não uma, nem duas, mas diversas vezes. E para ser sincero, é provável que muitas dessas incursões anteriores tenham sido bem mais satisfatórias. Isso, no entanto, não elimina as boas intenções de Feel The Beat, mais uma produção original da Netflix a ganhar a plataforma de streaming e entrar na disputa de uma audiência que, se não demonstra cansaço por estar sempre diante das mesmas opções, ao mesmo tempo também parece não identificar com muita precisão variações de um mesmo tema. Dessa forma, o mesmo filme pode continuar sendo feito, exibido e consumido inúmeras vezes, sempre se portando como se algo inédito, quando, na verdade, nada mais é do que uma simples e escancarada reciclagem de algo não apenas já visto, mas também desgastado e sem novas ideias. Exatamente como é possível perceber por aqui.

As primeiras cenas de Feel The Beat se passam em uma Nova Iorque chuvosa, quando uma jovem bailarina sai para a selva de pedra das ruas em busca de uma oportunidade ao sol. Enquanto se encaminha para o teste que poderá garantir seu estrelato na Broadway, um pequeno gesto deve ser suficiente para traçar o caráter da protagonista: na disputa por um táxi, rouba a condução de uma senhora, deixando-a para trás sob protestos daquela que foi enganada. A surpresa, no entanto, será apenas dela – pois, para o espectador, tudo se dá de modo bastante previsível – quando a mesma mulher aparece no teatro, encharcada do cabelo aos pés, como a responsável pela seleção do trabalho com o qual a garota tanto sonhava. Quando as duas se reconhecem, só haverá um destino para a candidata mal-educada: um bom e sonoro ‘não’.

Derrotada, sua única solução será voltar para a pequena cidade do interior de onde havia saído, buscando, mais uma vez, o conforto familiar. Apesar de ser recebida com carinho pelo pai (Enrico Colantoni, de Heróis Fora de Órbita, 1999), há por lá outros ainda mais entusiasmados com seu retorno. E entre sua antiga professora de balé, que agora coordena uma turma de meninas com sonhos igualmente ambiciosos, e um ex-namorado (Wolfgang Novocratz, de Você Nem Imagina, 2020) que parece bastante disposto a lhe dar uma segunda chance, tudo começa a se encaminhar para um caminho mais longo, mas que deverá lhe colocar mais uma vez no lugar onde sempre sonhou: nos palcos sob os olhares de centenas de admiradores. Tudo que terá que fazer é preparar essas crianças desajeitadas e fazer delas um time campeão, numa competição nacional que terá como um dos jurados justamente um dos diretores teatrais mais disputados do momento.

Se o roteiro escrito por Michael Armbruster (Silêncio na Floresta, 2020) e Shawn Ku (Tarde Demais, 2010) deixa claro desde o começo não ter disposição alguma para inovar dentro de um formato conhecido, e a direção de Elissa Down (Sei Que Vou Te Amar, 2008) parece mais interessada com situações episódicas e com as apresentações de dança do que com as interações entre os personagens, o conjunto afunda de vez quando se percebe que a maior parte das cenas supostamente relevantes estão nas mãos de uma atriz incapaz de demonstrar uma gama mais variada de emoções. Sofia Carson, que até então tinha tido como trabalho de maior destaque a maléfica Evie da saga Descendentes e a fofoqueira Ava de Pretty Little Liars: The Perfectionists (2019), revela aqui o mesmo perfil destas obras anteriores. Sua April é mal-humorada, ingrata e ambiciosa, disposta a qualquer coisa para alcançar seus objetivos. E quando é, enfim, chegado o seu momento de redenção, esse se dá de forma tão artificial que nem mesmo os mais entusiasmados conseguirão comprar essa mudança de rumo.

Apesar do título que deveria servir como inspiração – Feel The Beat pode ser traduzido como Sinta a Batida, ou o movimento, o ritmo – tem-se aqui uma mistura um tanto indigesta de diversas referências – que vão de Flashdance (1983) até Pequena Miss Sunshine (2006) – e elementos – como os bullies que se arrependem, a decisão de última hora que pode colocar tudo a perder, o momento em que é preciso optar pela razão ou pelo coração, etc – que, ao serem dispostos de modo que beira o aleatório, terminam por esvaziar um potencial que já não era dos maiores. E para o desastre ser completo, basta observar a sequência de encerramento – para os corajosos que conseguirem chegar até aqui – e identificar a falta de motivação dos envolvidos em uma sequência que deveria ser tudo, menos morna. Como comparação, poderiam ter se inspirado no também recente Megarromântico (2019), que brinca com arquétipos bastante similares, mas com um resultado bem mais eficiente (sem falar que oferece um desfecho que de fato consegue elevar os ânimos envolvidos, em ambos os lados da telinha).

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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