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Sinopse

Uma estrela de filmes de ação começa a ser perseguida por um fã ávido que não conhece as noções dos limites.

Crítica

O delay entre o lançamento de Fanático nos Estados Unidos e a chegada do filme ao Brasil permite que encaremos de antemão uma iniciativa controversa, amplamente analisada e negativamente criticada, com várias indicações ao Framboesa de Ouro (espécie de antítese do Oscar). Portanto, há fortemente uma bruma de fracasso pairando sobre essa produção. Difícil então se desligar dessa noção prévia de que estaremos diante de algo frustrado em alguma medida. Mas, isso torna os minutos iniciais da trama uma inesperada e agradável surpresa. Neles, há o desenho de uma Hollywood desglamourizada, com mendigos ocupando a Calçada da Fama, assim expondo uma realidade distante da noção de sonho. Também aparece como ideia fértil o show sanguinolento nas ruas que encobre a ação do ladrão surrupiando as carteiras dos entretidos. “Eles não são pessoas, são turistas”, diz o meliante orgulhoso de engambelar essas pessoas ávidas justamente por espetáculos grotescos. A cortina de fumaça da recreação acobertando um assalto poderia muito bem servir de intensa metáfora à indústria do entretenimento estadunidense, mas permanece restrita à sacada pontual.

O protagonista de Fanático é Moose (John Travolta), sujeito aficionado por um ator recorrente em exemplares de ação e terror, não à toa gêneros que forma nichos específicos, predispostos a cultos de pequenos grupos. Desde suas primeiras aparições, fica evidente que o personagem é caracterizado por algum(ns) distúrbio de ordem mental. Indícios disso, constantemente reiterados ao longo da trama, são suas demonstrações frequentes de descolamento da realidade, a ansiedade exagerada, o autoflagelo quando flagrado equivocado ou repreendido e a dificuldade claramente patológica para distinguir a natureza das atitudes alheias. O grande problema do longa de Fred Durst – que além de cineasta é vocalista da banda Limp Bizkit – é que não há qualquer indício de estudo dessa condição mentalmente perturbada. Ele é lido pelo filme pura e simplesmente como um fã exacerbado, daqueles capazes de invadir a intimidade de ídolos, de sentirem-se estranhamente próximos de vidas particulares meticulosamente criadas e propagadas por empresários, assessores e afins. Assim, Moose se torna uma caricatura aberrante, nunca lido como alguém que precisa efetivamente de ajuda.

A própria caracterização de John Travolta apela descaradamente aos estereótipos, não partindo deles para criar um panorama referencial. Do corte de cabelo esquisito, passando pelas vestimentas berrantes, chegando à motocicleta desproporcional ao seu porte físico, tudo conflui para consolidar uma imagem notoriamente patética. Num primeiro momento, pode parecer corajoso de Travolta se distanciar da aura de galã para encarnar um homem que justamente se alimenta do culto exacerbado às estrelas. Contudo, Moose é um daqueles personagens que parecem calibrados antecipadamente a premiações, pois física e psicologicamente muito distante do seu intérprete. E embora haja consistência na concepção dessa figura maltratada pelo filme, que os trejeitos e as repetições o tornem crível, a ausência de profundidade na leitura do que o motiva a agir de determinadas maneiras acaba sendo vital para ele rapidamente cair num terreno perigosamente ridículo. Some a isso a presença praticamente descartável da amiga paparazzi, que se acha no direito de repreendê-lo por invadir a intimidade alheia. Fred Durst sequer chega a ressaltar a óbvia hipocrisia da censura veemente.

Depois de uns 10 minutos, Fanático deixa para trás suas potencialidades como exemplar apto a estabelecer Moose enquanto subproduto da inclinação hollywoodiana às mentiras. O retrato que Fred Durst cria a partir do personagem de Travolta é tipificado, com direito a várias cenas beirando o risível, sobretudo ao buscar a criação de um ambiente de suspense e até mesmo de terror. Em dado instante, uma empregada é assassinada a céu aberto. Aliás, os dois encarregados são latinos, com destaque à figura grosseira do jardineiro que parece usar uma fantasia, de tão estereotipado. Fica difícil engolir o tempo decorrido entre o crime e a descoberta utilizada tortuosamente como às na manga. Também é bastante inverossímil toda a dinâmica de Moose assediando seu objeto de admiração durante o sono. O cineasta recorre a certas elipses para não lidar com pormenores, vide o solavanco que apresenta a submissão do astro aos caprichos do fã desorientado (como ele conseguiu entrar lá novamente?). Aliás, por falar nessa sequência, ela, e tudo a segue, fecha a fatura com um toque particular de ruindade, demonstrando que não há limites às simplificações propostas nesse enredo tão postiço quanto os atores que mimetizam ícones para ganhar a vida nas famosas calçadas cheias de visitantes.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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CríticoNota
Marcelo Müller
2
Chico Fireman
4
MÉDIA
3

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