Crítica

Descoberto por Steven Spielberg, que o colocou como protagonista do drama Cavalo de Guerra (2011) logo em sua estreia no cinema, Jeremy Irvine aparentava estar interessado em construir uma carreira em Hollywood que fugisse do óbvio. Desde então, trabalhou ao lado de astros como Colin Firth, Nicole Kidman, Ralph Fiennes, Robert Duvall e Michael Douglas, encarou um personagem gay (Stonewall: Onde o Orgulho Começou, 2015), e recusou convites para estrelar as franquias adolescentes Divergente (no papel de Quatro, que ficou com Theo James) e Jogos Vorazes (como Peeta Mellark, personagem aceito por Josh Hutcherson), alegando não se interessar “pelo tipo de fama que estas produções atraem”. No entanto, ao vê-lo como um dos protagonistas de Fallen – que, assim como estes citados, também se trata de uma série de livros fantásticos voltados ao público jovem – a impressão é de que ele não só deve ter revisto seus conceitos, como decidiu se envolver justamente naquela que deve ser a pior de todas essas sagas.

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Filmado em 2014, Fallen é o primeiro capítulo da série literária criada por Lauren Kate e que, no total, é composta por quatro volumes – todos já adquiridos pelos produtores. Filmada na Hungria, conta com um diretor indicado ao Oscar à frente do projeto – Scott Hicks, de Shine: Brilhante (1996) – e outros nomes interessantes no elenco, além de Irvine: Joely Richardson (filha de Vanessa Redgrave), Lola Kirke (vista há pouco em Mistress America, 2015) e, como protagonista, a novata Addison Timlin (que chamou atenção recentemente na comédia dramática independente Irmã, 2016). Essa menina, aliás, não chega a ser particularmente bonita, mas possui um charme estranho, semelhante ao percebido em Kristen Stewart (uma das estrelas de Crepúsculo). A estrutura deste filme também é bastante similar a da garota dividida entre um vampiro e um lobisomem: dessa vez, a mocinha precisa escolher entre a paixão que sente por dois anjos, um decaído, que luta em favor das trevas, e outro indeciso, que entre o céu e o inferno, escolheu o Amor (por mais piegas que isso possa aparecer, é exatamente assim que a trama é descrita).

Pois bem, qual o problema, portanto, de Fallen? Justamente soar tão genérico, semelhante a quase tudo que já foi visto, e há muito pouco tempo, em outros exemplares que seguem a mesma linha. Lucinda Price (Timlin) é uma garota problemática enviada a um reformatório. Ela vive tendo visões, que não entende bem se são fantasias, premonições ou memórias de outros tempos. Ao chegar na escola Sword & Cross, se encanta tanto pelo revoltado Cam (Harrison Gilbertson, de Need for Speed, 2014) como pelo misterioso Daniel (Irvine). Contando apenas com o apoio de uma nova amiga (Kirke), ela não tardará a descobrir que muitos dos seus colegas são anjos que foram expulsos do Céu após Lúcifer, o favorito de Deus, ser expulso do Paraíso. Os que o apoiaram, também foram mandados ao Inferno. Aqueles que não tomaram partido, são os que ‘caíram’ (tradução literal do título em inglês), e se encontram na Terra, em meio a essa guerra celestial, à espera de uma definição sobre qual lado seguir. Religiosos, portanto, uni-vos!

Mas há, ainda, os que apostam no Amor. Estes são os verdadeiros rebeldes. A paixão entre Daniel e Lucinda existe há gerações, porém uma maldição se encontra sobre eles: basta um beijo dele para que ela morra. Dessa vez, no entanto, a situação é diferente: ela não foi batizada por seus pais. Por isso, qualquer lado pode tê-la. E descobrir como lidar com demônios disfarçados de professoras de Filosofia e namorados que possuem asas parece ser o menor das suas preocupações. Em meio a um cenário tão extraordinário, falta, no entanto, um maior apreço do realizador pelo que se dispôs a contar. Tudo é tão superficial e sem maiores cuidados que nada chega a causar real surpresa, como se fosse apenas mais um romance colegial sem consequências. Como se percebe, exige-se mais boa vontade do espectador do que qualquer um com um mínimo de discernimento estaria disposto a investir.

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Mas o pior de Fallen, mesmo, está em seus bastidores. De produção conturbada, nunca chegou a ser exibido nos cinemas dos Estados Unidos ou da Europa, e aqui no Brasil só ganhou espaço por causa de uma petição online – via twitter e facebook – dos fãs dos livros. Scott Hicks, que há muito deixou de ter pretensões autorais em seus filmes, entrega aqui um trabalho mais inexpressivo do que os anteriores Um Homem de Sorte (2012), com Zac Efron, ou Sem Reservas (2007), com Catherine Zeta-Jones. Não há carisma nem interesse pelos personagens, o romance que surge entre eles é abrupto e parece existir apenas para atender a uma demanda pré-estabelecida, e até mesmo os efeitos especiais, que deveriam chamar a atenção em uma produção deste tipo, não estão à altura das expectativas. Confuso e sem nem mesmo uma resolução decente – o final é em aberto – tem-se um romance que falha em mais de um nível de entendimento, decepcionando não apenas os cinéfilos meramente curiosos, mas até mesmo os mais inveterados defensores deste subgênero que, felizmente, parece estar começando a se encaminhar para a sua própria extinção.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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