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Sinopse
Explode São Paulo, Gil parte do encontro entre Maria Clara, a cineasta, e Gil, a personagem, explodem não só cidades, mas possibilidades de cinema. Sonhos e desejos se misturam com a dureza da realidade, emprestando forma, através da arte, para os dilemas da existência coletiva humana. Documentário.
Crítica
Logo que a câmera da diretora Maria Clara Escobar se abre, o que se vê é o plano de uma área de serviço externa, provavelmente de uma casa, com uma mulher sentada no pequeno degrau que separa o ambiente do pátio à sua frente. Ela se mostra um pouco constrangida, um tanto sem jeito, sem saber por onde começar. Mas a fala encontra o meio. E o que o espectador é convidado a acompanhar é o relato de uma empregada de família, daquelas que pode tanto passar anos servindo aos mesmos patrões, como a cada semana ter um novo lugar para trabalhar. Afinal, por mais que seja uma trabalhadora braçal, está longe de ser desprovida de interesses, afinidades, motivações e vontades. E é isso que ela revela em primeira mão, deixando claro sua postura frente a cada nova oportunidade: é preciso liberdade para dizer e para ouvir, para se colocar e reconhecer o terreno, para se sentir querida, mas também para partir quando a recíproca não se estabelece. Esse depoimento assustadoramente arrebatador é conduzido por Gilda Nomacce, uma atriz maiúscula. Infelizmente, após um começo tão denso e provocador, Explode São Paulo, Gil poucas vezes se esforça para alcançar notas assim tão altas no restante de sua narrativa.
Assim como fez no seu longa de estreia – Os Dias Com Ele (2012), premiado nos festivais de Havana, Lisboa e Tiradentes, entre outros – Escobar parte de alguém próximo sobre a qual se debruçar. Se antes fora seu pai, agora é a moça que regularmente entra em sua casa para limpar cozinha e banheiro, manter arrumadas estantes e guarda-roupas, enfim, a doméstica encarregada de pôr ordem naquele pequeno universo. Gildeane Leonina, ou apenas Gil, é uma mulher sem medo de arregaçar as mangas e lidar com as dificuldades do cotidiano. Mas ela também tem um sonho, daqueles que parece ser impossível, mas do qual nutre um carinho e um apego especial: quer ser cantora. Mas são muitas as pedras nesse caminho. Falta-lhe confiança, apoio, conhecimento. Tudo parece ser desculpa. “Mas se eu for e fizer sucesso, quem vai tirar o pó da sua casa? Você mesma, com lágrimas nos olhos, arrependida por ter me incentivado?”, questiona a personagem à diretora.
Pois eis que é o que acontece. Gil acaba encontrando o caminho, e o sucesso não tarda em comparecer. Maria Clara, por sua vez, seguirá em casa, conduzindo ela mesma sua limpeza, em meio a um choro contido. A brincadeira por meio das imagens que se seguem parece inofensiva, mas permite conflituosas indagações. Afinal, haveria mesmo necessidade da cineasta se colocar em cena? Não seria esse o momento da outra brilhar? Entre uma disputa que parece motivada por essa busca pelo lugar ao sol, Gil cresce, na mesma medida em que Maria Clara se diminui. Como se uma coisa só fosse possível mediante a outra. E dá-lhe sequências intermináveis da protagonista refém de seus desejos, compartilhando histórias de outras desacreditadas que, enfim, provaram seus valores, mesmo diante das probabilidades contrárias. Mas as duas não são lados distintos de uma mesma moeda. Tal relação não se faz necessária. E assim que uma vai diminuindo progressivamente sua presença em cena, a outra passa a ocupá-lo com crescente afeição. Falta discernimento ao todo para propor tal equilíbrio.
É como se Gil fosse maior do que o filme em questão, e ao invés de bombardear uma ou outra cidade, a maior afetada fosse ela mesma. Gil se apresenta como “mulher da periferia, faxineira, epilética, depressiva e sapatão”. E não basta dizer, é preciso comprovar cada uma dessas afirmações por meio da exibição visual. Entre momentos que beiram o constrangimento e outros mais próximos do riso discreto, a diretora permite uma montagem frouxa, que abusa da paciência do espectador frente a excessos que pouco agregam ao conjunto. Explode São Paulo, Gil começa elevando as expectativas, mas vai se ocupando de domá-las nos momentos seguintes por meio de uma brincadeira a respeito de conceitos pré-estabelecidos e desilusões programadas que podem até funcionar no indivíduo, mas pouco colaboram junto ao coletivo. E assim aquela no centro das atenções se distancia de todos, menos da realizadora, incapaz de exercer um afastamento que lhe permita visualizar o conjunto com maior clareza. Como resultado, eis um filme que promete muito, mas pouco entrega.
Filme visto durante o 14º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, em junho de 2025


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