Eu Sou Ingrid Bergman
Crítica
Leitores
Sinopse
Um olhar mais atento aos momentos marcantes da vida da jovem garota sueca que se tornou uma das mais celebradas atrizes do cinema americano.
Crítica
É preciso escolher o que cabe no coração. Ao atravessar o oceano em direção a Hollywood, deixando para trás Estocolmo, Ingrid Bergman escutou que não realizaria o sonho de ser atriz. “Você é muito alta”, disseram. Se a frase alimentou o desejo, difícil dizer. O aviso tornou-se irrelevante para a jovem loira, de corpo esguio e postura imponente – uma beleza particularmente escandinava e hipnótica – que há muito havia feito a sua escolha, deixando Petter Lindstrom e Pia, o marido e a filha de alguns anos, na cidade natal. E assim começa a narrativa do documentário Eu Sou Ingrid Bergman.
Anunciava-se, então, um traço que se tornaria marcante com o passar do tempo e dos demais relacionamentos: a família nunca foi um pilar essencial para a atriz. Possivelmente, reflexo da experiência própria. Nascida em 1915, Ingrid perdeu a mãe aos dois anos, e viu o laço paterno, alimentado amorosamente por Justus Samuel Bergman, um fotógrafo que lhe ensinou a paixão por enxergar o mundo através das lentes, desfazer-se aos 12 anos.
O costume de registrar o cotidiano em vídeo – que pode ser interpretado como uma homenagem à memória do pai – permitiu a realização de Eu Sou Ingrid Bergman. Dirigido pelo compatriota Stig Bjorkman, o documentário é composto por material de arquivo pessoal, muitos dos vídeos feitos pela própria Ingrid, com o acréscimo de cartas e diários disponibilizados pelos filhos, em especial pela atriz e diretora Isabella Rossellini, filha e maior entusiasta do projeto.
Com um material tão vasto, a escolha da direção foi a de não construir uma biografia cinéfila, no sentido de não se ater à carreira da atriz, mas de utilizar o privilégio cedido para adentrar na privacidade de uma das musas do cinema no século XX. A opção fez a narrativa tomar um caminho pouco usual, passando ao lado – por vezes, com indiferença – dos grandes trabalhos de Bergman. O Médico e o Monstro (1941), Casablanca (1942), Interlúdio (1946), Stromboli (1950), Estranhas Coisas de Paris (1956) e Sonata de Outono (1978) estão lá, mas de maneira mais ou menos decorativa frente à importância de ter convivido com Victor Fleming, Michael Curtiz, Alfred Hitchcock, Roberto Rossellini, Jean Renoir e Ingmar Bergman – para ficar apenas nos diretores.
Menos um defeito do que uma estratégia, tratar a vida profissional como coadjuvante permitiu jogar luz sobre a mulher, a eterna órfã que tentou sentir-se acolhida por vários homens, mas que encontrou o verdadeiro lar no trabalho. Os amores, de Robert Capa – o fotógrafo de guerra galã e instável – a Rossellini foram sopros pontuais para um coração abarrotado. O desprendimento visto em Capa e a admiração criativa vista em Rossellini não bastaram. O ímpeto de Bergman residia na maneira como a vencedora de três Oscar (À Meia-Luz, 1944, Anastácia: A Princesa Esquecida, 1956, e Assassinato no Expresso Oriente, 1974) criava as suas oportunidades. Em uma delas, cansada do modelo americano e fascinada pelo cinema autoral, Bergman entrega um bilhete a Roberto Rossellini durante uma premiação. Nele, se oferecia como atriz e mulher.
Rossellini e Bergman realizaram cinco filmes, entre eles Stromboli, um marco do cinema neorrealista, e três filhos. A relação extraconjugal rompeu a imagem da mocinha de rosto angelical e colocou a sociedade norte-americana em campanha para que ela não retornasse ao país. A incursão europeia se tornaria um exílio, e Bergman, por duas vezes no papel de Joana D’Arc, conheceu a primeira crucificação pelas mãos do público que a amava. Apesar de sua grandeza, a atriz fechava portas por onde passava. Primeiro, na Suécia, que jamais a desculparia por virar as costas para a Escandinávia. Depois, nos Estados Unidos. Na Europa, a relação pessoal e profissional com o diretor se parecia com o vulcão em Stromboli. Depois da erupção, o casamento cederia ao ínfimo retorno financeiro dos filmes, ao ciúme e à possessividade do italiano, acabando em cinzas. Isolada e desprestigiada, mais uma vez Ingrid Bergman precisou partir. Desta vez, deixando os três filhos do casal aos cuidados das governantas italianas.
Além da forma contundente com que traz à tona a personalidade da estrela, Eu Sou Ingrid Bergman tem a virtude de não se ater a picuinhas. Isto é, em nenhum momento o desprendimento familiar – ou a independência – é colocado sob julgamento. O diretor escuta a filha mais velha desabafar sobre a ausência materna, ao mesmo tempo em que repassa a preocupação de Ingrid com os filhos, expressa através das inúmeras cartas. Qualquer sentença dada agora seria muito fácil e conveniente, por isso Bjorkman a evita. A neutralidade imposta previne qualquer manipulação. Pois se Ingrid Bergman sobreviveu às críticas de outrora, as de hoje soariam ainda mais frívolas.
Últimos artigos deWillian Silveira (Ver Tudo)
- Banco Imobiliário - 4 de agosto de 2020
- Tropykaos - 30 de março de 2018
- Os Golfinhos Vão Para o Leste - 24 de novembro de 2017
Deixe um comentário