Eu, Pecador

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Sinopse

Conta a história de Agnaldo Timóteo, o famoso cantor e político polêmico. As marcantes histórias de sua carreira, que se divide entre shows impecáveis e uma campanha para tentar se eleger vereador no Rio de Janeiro.​

Crítica

Cantor de sucesso estrondoso no passado. Político outrora prestigiado amplamente pelo eleitor. Agnaldo Timóteo ganha com Eu, Pecador uma cinebiografia não necessariamente abrangente, embora seja bem-vinda a sua intenção de refutar o caminho convencional, recusando-se, por exemplo, a traçar uma linha cronológica estanque para apresentar a trajetória do protagonista. Aliás, o diretor Nelson Hoineff demonstra, basicamente, interesse por dois aspectos da vida de Agnaldo. Na ordem, surgem a faceta política e a suposta homossexualidade não assumida. Há uma insistência em ambas as curiosidades. Mostra-se o político fazendo campanha, mais precisamente um corpo a corpo com os passantes nas ruas do Rio de Janeiro e a bordo de veículos abertos nos quais transita na parte traseira, munido de microfone e simpatia. Os excertos dos êxitos pregressos nas urnas tornam esses momentos um tanto melancólicos, embora não haja um investimento flagrante em tal potencialidade.

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Registros de participações televisivas entrecortam as explanações públicas do candidato, com o intuito de ampliar uma noção sobre a complexidade do personagem em sua integralidade. Todavia, o realizador logra êxito apenas no que tange ao nível mais superficial, ou seja, em demonstrar a personalidade controversa de uma figura singular que, entre outras coisas, em inúmeros episódios não se fez de rogado em rede nacional. Ele, inclusive, chegou a se declarar-se beneficiário de apoio financeiro de bicheiros que, então, financiaram suas campanhas. Eu, Pecador se contenta em expor as idiossincrasias de Agnaldo e até mesmo as contradições de seu discurso – nesse sentido, é curiosa a disposição das sentenças e taxações, da qual decorre a constatação de uma inconsistência ou, ao menos, da frequente e conveniente mudança de paradigmas. Hoineff evita mergulhos mais profundos, recorrendo à repetição de procedimentos que, no mais das vezes, provoca uma sensação de desperdício de material.

Eu, Pecador sofre uma quebra quando deixa um pouco de lado a esfera política e notória para adentrar na instância privada. O filme é especialmente disposto a confirmar o que Agnaldo nunca assumiu publicamente. De forma um tanto obstinada, a montagem alterna episódios em que o protagonista chega a declarar-se contra demonstrações públicas de afeto homossexual e um escrutínio de composições célebres em que, supostamente haveria, nas entrelinhas, a exposição de sua orientação sexual. São emblemáticas desse intento de revelação as execuções de Eu, Pecador, em que o cantor pede perdão por experimentar um amor proibido pela lei divina, e A Galeria do Amor, em que ele celebra um local onde se pode amar livremente. O documentário estende o quanto pode essa dinâmica, chegando a ser quase sensacionalista, em virtude do tempo conferido à investigação e a gratuidade dessa duração. Fica parecendo que o mais importante é comprovar uma tese prévia, pura e simplesmente.

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As passagens curiosas em Eu, Pecador são abundantes e relativamente bem aproveitadas por Nelson Hoineff em separado. O todo, porém, se ressente da falta de uma liga consistente, já que a recorrência de abordagens e vieses não permite um olhar mais generoso e amplo a Agnaldo Timóteo. A decadência política, por exemplo, surge espontaneamente, sem que o diretor a utilize com expressividade na condição de componente da construção de uma persona tão peculiar quanto a do artista. Ele ascendeu ao firmamento da música brasileira, gozando das benesses da fama, e hoje é resumido pela mídia hegemônica a uma subcelebridade com valor de mercado apenas por seu potencial de inconsequência e explosão. O filme tangencia todas essas questões sem, contudo, sair de seu itinerário engessado, ao qual permanece absolutamente aferrado, a fim de encarar um sujeito com diversas facetas prontas a um perscrutar menos convencional e mais aberto à complexidade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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