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Sinopse

Através do olhar de Lúcia Veríssimo, retrata a longa trajetória do grupo musical Os Cariocas, fundado em 1942 e considerado até hoje um marco da música popular brasileira. O sucesso, que começou quando os integrantes participaram do Papel Carbono, um famoso programa de calouros da Rádio Nacional, surgiu depois que a banda impressionou o Brasil por seus estilos únicos de arranjos vocais.

Crítica

Lúcia Veríssimo, atriz e agora também cineasta, é um tanto suspeita para falar sobre Os Cariocas, um dos principais conjuntos vocais do mundo, parte indissociável da história da música brasileira. Sobrinha do fundador, Ismael Neto, filha de um dos integrantes e seu mantenedor ao longo dos anos, Severino Filho, ela conduz Eu, Meu Pai e os Cariocas: 70 Anos de Música no Brasil por uma senda afetiva, deixando que a emoção norteie o andamento do documentário em muitos momentos. Esse dado positivo que revela a intimidade da trajetória artística de personagens hoje infelizmente pouco lembrados é vitaminado, objetivamente, pelos depoimentos dos notáveis de diversas fases da nossa expressão sonora, pessoas determinantemente influenciadas pela melodia de Os Cariocas. Assim, há a convivência entre fatos incontestes e lembranças carinhosas, o que enriquece o longa-metragem, fazendo-o ser, ao mesmo tempo, resgate histórico (necessário) e arqueologia pessoal. É um filme-homenagem.

A frase “toda música é reflexo de uma época”, dita por Tom Jobim, oferece a chave para Lúcia organizar a estrutura do roteiro dessa viagem que começa nos anos 40. A brilhante obra de Os Cariocas é sempre entendida ao longo da narrativa dentro dos contextos históricos locais. Então, por exemplo, o surgimento dos rapazes que traziam uma proposta vocal distinta para o período é colocada sob a perspectiva do protagonismo da Rádio Nacional no cenário tupiniquim de então. Além de dimensionar a importância da estação para a disseminação da cultura, Lúcia traz o testemunho de gente que viveu aquilo, como Cauby Peixoto. O cantor tece loas à atuação de Os Cariocas, eles que logo tomaram de assalto as paradas de sucesso, se estabelecendo no mercado. A situação sociopolítica também entra nessa tapeçaria. Temos o registro do governo Getúlio Vargas, inclusive no que tange à criação da rádio tornada um dos emblemas de sua plataforma dita populista. Isso confere abrangência à trama que se desvela.

O discurso de Eu, Meu Pai e os Cariocas: 70 Anos de Música no Brasil é beneficiado pelo peso de quem fala, da sucessão de gente importante para a arte brasileira, especialmente à música, que atesta a importância de Os Cariocas, não somente à era de ouro do rádio, mas também à Bossa Nova, outro fenômeno que ajuda a definir a nossa identidade musical. Lúcia tem à disposição um vasto material de arquivo que confere ainda mais substância à voz de pesos-pesados como João Donato, Luís Carlos Miele, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, entre tantos outros que acompanharam Os Cariocas de perto, seja na condição de admiradores desde a mais tenra idade e/ou como eventuais parceiros futuros, estes que se dizem honrados por, em algum instante, ter desfrutado de tão valiosa troca. Lúcia reserva generoso espaço de reverência ao tio Ismael, considerado virtuose, lembrado por Severino como um gênio que faleceu precocemente, no auge do êxito, inclusive internacional.

Embora fique ocasionalmente presa ao esqueleto que sustenta Eu, Meu Pai e os Cariocas: 70 Anos de Música no Brasil, já que impera a ordem cronológica e essa associação ligeiramente quadrada entre Os Cariocas e os períodos pelos quais eles passaram, Lúcia consegue criar um filme que transpira admiração e saudade. Por vezes, ela se permite aparecer, procedimento que denota a intimidade com muitos dos entrevistados. A diretora não esconde a pessoalidade que marca esta realização, pelo contrário, a escancara, fazendo a própria adoração pelo pai reverberar nos depoimentos. Não raro eles completam as ideias dos antecessores, o que dá uma ideia de uníssono, de celebração de um trabalho que verdadeiramente redefiniu os rumos da música brasileira, assim merecendo reconhecimento. Formalmente convencional, o documentário, todavia, cumpre a função essencial de preservação, tendo ainda a seu favor a esfera sentimental que evidentemente orienta o olhar da cineasta diante de seu ídolo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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