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Sinopse

Economista bem-sucedido casado com Marina e pai de Caio, Vicente leva uma vida que poderia ser classificada como tranquila até que uma série de perdas retira o seu chão. Ele passa por diversos descobrimentos e emoções distintas.

Crítica

Apesar de ter realizado alguns filmes no mesmo formato antes, foi com o impressionante Palíndromo (2001) que o diretor Philippe Barcinski entrou de vez no cenário cinematográfico nacional. Com este trabalho foi premiado nos festivais de Gramado, Recife, Cuiabá, Vitória e São Francisco (EUA), além de ter recebido uma indicação ao Grande Prêmio Brasil de Cinema. Depois, foi selecionado para o Festival de Cannes com seu curta seguinte – A Janela Aberta (2003) – e trabalhou com Rodrigo Santoro no drama Não Por Acaso (2007), sua estreia em longa-metragem. Ainda assim, seguia devendo um trabalho de fôlego similar ao do seu projeto mais premiado até então. E se isso é dito no passado, é porque Entre Vales chega para preencher, finalmente, essa lacuna.

Exibido pela primeira vez no Festival do Rio de 2012, o fato de Entre Vales ter levado dois anos para chegar às telas do circuito comercial é um forte indicativo do quão refém está o público nacional no que diz respeito à produção brasileira realmente relevante. Neste mesmo período de tempo, Fabio Porchat esteve em quatro filmes diferentes, Leandro Hassum se consolidou como um chamariz de bilheterias e a dupla Ingrid Guimarães e Heloísa Perissé deixaram de ser comediantes teatrais para se firmarem como estrelas de primeira grandeza. E, no entanto, o impressionante trabalho de Ângelo Antônio seguia desconhecido da maioria dos espectadores, infelizmente. Porém não mais, e é importante que essa feliz chegada às telas obtenha um destaque justo e adequado.

Antônio é um homem da rua. Vive do que colhe num lixão, catando garrafas plásticas, caixas de papelão, latas vazias. Ganha pouco, dorme em qualquer canto. Não dá satisfação à ninguém, vai onde lhe mandam, não entrega nem exige muito. É livre, afinal. Ao contrário de Vicente, que lida diariamente com uma rotina intensa de responsabilidades. Cuida do filho pré-adolescente, lida com a empresa de consultoria que corre o risco de escapar de suas mãos – o sócio majoritário é estrangeiro e pretende voltar ao seu país – e enfrenta problemas no relacionamento com a esposa, cada vez mais distante e ausente. O mais chocante, no entanto, é perceber que Antônio e Vicente são a mesma pessoa. É o mesmo rosto, porém são realidades completamente diferentes. E mais do que figurinos específicos e cenários alternados, é na interpretação de Ângelo Antônio que vislumbramos com exatidão o abismo que separa estes dois homens – ou seriam duas personalidades de uma mesma pessoa?

Desde o começo de Entre Vales as histórias de Antônio e de Vicente correm lado a lado, paralelamente, porém não simultâneas. Qual veio primeiro e quem vem depois? O que de grave teria acontecido para Vicente se transformar em Antônio – ou teria sido o contrário? A revelação, ainda que a partir de certo momento seja previsível, não chega a ser o cerne da questão. Ela está mais ligada em como lidamos – como estes personagens lidam, como nós, espectadores, enfrentamos – com as perdas e as tragédias do dia a dia – ou mesmo de uma vida toda. E o protagonista é eficiente e preciso em nos mostrar com sutileza esse caminho, deixando claro que apesar da imensidão que os separam, estes dois tipos são lados de uma mesma moeda, e é somente na união das partes que um todo se completa por inteiro.

Philippe Barcinski é obcecado pela forma de levar às telas suas narrativas – Palíndromo já deixava isso evidente, mais de uma década atrás – mas com Entre Vales ele, ao lado da esposa Fernanda Werneck Barcinski, comprova que também no texto está sua força, aliada a uma escolha acertada de talentos, como a fotografia delicada e nada invasiva de Walter Carvalho e a competente trilha sonora de Rica Amabis. No entanto, de nada isso seria válido se não fosse a presença hipnotizante de Ângelo Antônio, um ator que por muito tempo esteve em busca do seu papel. Esteve, pois agora o encontrou.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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