Dyonélio
Crítica
Leitores
Sinopse
Dyonélio Machado foi essencialmente um escritor, um político, um cientista ou um médico psiquiatra? Foi um republicano, chegado aos donos do poder no estado do RS, ou um comunista perseguido, preso, cassado pelas suas ideias políticas? Foi um autor premiado com um prestigiado prêmio nacional em seu romance de estréia, ou escritor maldito que por mais de 20 anos não encontrava editor para seus livros? Dyonélio, o filme, aborda o universo desta figura emblemática, num filme que trata a ficção como documentário e o documentário como ficção, fazendo da contradição a sua essência. Assim como Dyonélio.
Crítica
A tarefa fácil não era. Juntar pedaços, formular hipóteses, reconstruir minimamente uma história que nos chega filtrada pelas ambiguidades dos espaços habitáveis pelo personagem-título, criar um plano e um contra plano para arregimentar esse discurso de “contradições” (qual política e qual filosofia não carrega essa sina, afinal?). É em torno de um caráter sintetizador - o que nem de longe pode ser confundido com o reducionismo mais comum que “mostrar” as coisas pela via do simplismo - que o filme de Jaime Lerner sobre Dyonélio Machado pretende organizar a pulverização dessas ideias tão “perigosas”. A obra de Lerner parece participar dessa aventura ao se colocar diante das dificuldades de apreensão do mundo (esse mundo cinematográfico que nos é tão caro e, ele também, perigoso), assumir seus próprios anseios e ainda algo de uma “jocosidade estética”.
Aqui e ali, imagens de Porto Alegre são acompanhadas pelas vozes de Déborah Finocchiaro e Leonardo Machado, que narram palavras diversas, ecos do próprio texto de Dyonélio, por ali entre os cantos e as ruelas de Os Ratos e O Louco do Cati. De quem observa o filme só exige a paciência e o silêncio. Pois é através de um interrogatório, medida que, paradoxal que seja, resulta num anticlímax tão capaz de envolver o espectador quanto de afastá-lo em função da forma um tanto maniqueísta com que o diálogo principal entre Dyonélio e seu interrogador se desenvolve. Ora as perguntas se constituem em “tautologias”, o que reflete em respostas já previamente configuradas pelo “jogo”, ora implicam uma reação mais austera do interrogado, jogando uma verve sutil e venenosa no mesmo fluxo, volta e meia desconcertando o interlocutor, o que funciona bem. É nesse âmbito de um suspense poético-político (das poesias e das políticas micro) que Dyonélio, filme nada “documental”, estabelece seu caminho, pois abraça precisamente todas as ficções possíveis e das impossíveis se alimenta pelo imaginário. Só pode existir mesmo em meio a contradições.
Se algo de Dyonélio já havia respingado com fôlego no filme de Fabiano de Souza (A Última Estrada da Praia, 2011) a partir do Louco do Cati, aqui Jaime Lerner estabelece um diálogo com alguns dos lugares que ambos os filmes compartilham, ampliando essa possibilidade de diálogo com o texto do escritor e com as imagens que criamos no percurso. Mas se no filme de Fabiano os personagens preenchem os espaços fisicamente, no clima mesmo do road-movie, o Dyonélio agora flui nas próprias imagens e através da narração que faz companhia. Se o primeiro é baseado em Dyonélio, o segundo é plenamente em torno dele. Evidentemente, tratam-se de estéticas distintas, de outras formas de olhar e narrar o sujeito. O personagem que surge no filme de Lerner é aquele de uma figura de firmezas, que não tergiversa. Aliás, é nesse sentido que cabe observar como a fala de Dyonélio trabalha em função da “construção” do próprio personagem.
A relação do questionador com o protagonista é o que vai mover as coisas, fazer com que algo surja em meio às negociações retóricas que acontecem e movimentam o imaginário em torno do escritor, político e ensaísta. Entre fragmentos de Norbertos e Naziazenos, atravessados pragmaticamente por um didatismo de alguns momentos nas conversas, aprofundado pela verve dos personagens noutros (daí um paradoxo da imagem cinematográfica), é nesse registro de ambiguidades que Dyonélio perfila seu sabor.
Últimos artigos dePedro Henrique Gomes (Ver Tudo)
- Violet - 16 de abril de 2014
- A Estranha Cor das Lágrimas de Seu Corpo - 13 de abril de 2014
- As Filhas - 12 de abril de 2014
Deixe um comentário