Duna: Parte Um

14 ANOS 155 minutos
Direção:
Título original: Dune: Part One
Ano: 0903
País de origem: EUA / Canadá

Crítica

7

Leitores

Sinopse

Leto Atreides aceita administrar o perigoso planeta deserto Arrakis, única fonte da substância mais valiosa do universo, uma droga que pode prolongar a vida e fornecer níveis de aceleração de pensamento.

Crítica

Uma verdadeira ópera audiovisual. Assim pode ser descrito o Duna de Denis Villeneuve. Afinal, trata-se de um épico, mas também de uma experiência inebriante para mais de um sentido. As cenas são construídas nos seus mais preciosos detalhes, exigindo da audiência um cuidado redobrado para cada movimento. Mas não se restringe apenas ao visual. O elemento sonoro é de suma importância, seja pela trilha sonora, que confere ao conjunto a importância almejada, como também a manipulação do uso dos sons e ruídos, além do emprego de efeitos sonoros precisos diante da função que desempenham junto ao enredo. O resultado é capaz de deixar qualquer um embasbacado. Porém, fala-se aqui do que está sendo oferecido aos olhos e ouvidos, do aspecto externo da proposta. Pois, em relação ao conteúdo e à maneira como se chegou a esse resultado, pouco há de surpreendente. A história é exatamente a que se espera de um conjunto como esse, executada pelos mesmos passos vistos nos trabalhos anteriores do realizador. Impressiona, claro. Mas não além do que era aguardado.

A primeira adaptação do livro de Frank Herbert chegou às telas em Duna (1984), pelas mãos de David Lynch – no único longa de toda a sua carreira que o cineasta se recusa a falar sobre. A produção foi rodeada de problemas, mas de algo ela nunca foi acusada: de não ser fiel à fonte literária. Pois bem. Villeneuve, em parceria com os roteiristas Eric Roth (vencedor do Oscar por Forrest Gump: O Contador de Histórias, 1994) e Jon Spaihts (indicado às Framboesas de Ouro por A Múmia, 2017), segue o mesmo caminho, e percorre a exata jornada conhecida tanto pelos admiradores da obra original como pelos que se arriscaram com a versão anterior. Uma saga interplanetária de fortes repercussões políticas e sociais, protagonizada por um rapaz que se descobre O Escolhido, responsável por libertar os povos oprimidos e capaz de feitos até então insuspeitos. Não se pode esquecer também do toque místico que permeia os principais acontecimentos, desde lendas levadas ao pé da letra, passando por clãs de feiticeiras e especiarias raras que possibilitam grandes avanços tecnológicos. Lembra por demais Star Wars, certo? Pois bem, importante dizer que até George Lucas admite a influência desse universo na sua maior criação.

O Imperador está preocupado. A Casa Atreides, responsável por governar o planeta Caladan, tem se tornado cada vez mais forte nos últimos tempos, e pode vir a representar um forte oponente. Assim, decide-se por colocá-los em rota de colisão com os Harkonnen, que comandam Arrakis. Esse lugar desértico esquecido por muitos durante séculos se tornou um dos mais disputados da galáxia por ser o único onde se encontra um tempero bastante especial, cujo manuseio possibilita ao corpo humano enfrentar viagens pelo tempo e espaço. Ao destronarem os Harkonnen em favor dos Atreides, o Imperador causa a impressão de favorecer os segundos, mas o que de fato combina é o início de uma guerra entre as duas famílias. Sua intenção é ver ambas aniquiladas, e com isso emitir uma mensagem a todo o universo de força e manipulação. O que não esperava, no entanto, é a presença de Paul Atreides. Primogênito do duque Leto e da mística Lady Jessica, vem ao mundo quebrando regras – ao casal é ordenado conceber apenas filhas – e, ao atingir a idade adulta, se descobre destinado a um futuro de desafios, mas também conquistas. O que lhe espera vem primeiro em sonhos, mas não tardará a se concretizar diante dos seus olhos, tanto os feitos, como também os tropeços.

O apuro técnico do diretor é bem conhecido. Afinal, trafegou por cenários parecidos em Blade Runner 2049 (2017), e até mesmo em A Chegada (2016). Assim, sua abordagem nessa realidade não chega a ser particularmente inesperada, uma vez que transita por uma região que poderia ser apontada como zona de conforto. Algo conhecido, por mais bem executado que seja. Por outro lado, se no início dos anos 1980 havia uma preocupação em narrar o máximo de história no intervalo de apenas um único filme – sagas e franquias ainda não eram uma tendência consolidada em Hollywood – quase quatro décadas depois a prática é bem distinta. Frank Herbert escreveu duas trilogias entre 1969 e 1985, e há material mais do que suficiente para uma série de longas. Portanto, a obrigação agora não era dar conta de tudo, mas apenas de estabelecer as diretrizes necessárias para o início de um projeto maior e mais ambicioso. E isso é feito com bastante objetividade. Os personagens são bem apresentados, as relações entre eles estão claras, há desafios evidentes a serem superados e as perdas serão sentidas, assim como também cada vitória. É um ponto de partida, e como a última frase proferida afirma, “você ainda não viu nada”.

Se a condução é competente – ainda que não inovadora – e a trama percorre desdobramentos esperados, talvez o maior mérito desse Duna esteja no seu elenco, que apresenta um conjunto de nomes capazes de monopolizar as atenções. Timothée Chalamet é um príncipe, e se tem porte de realeza, faz de Paul Atreides uma figura à altura do que sobre ela se fala – e antecipa. Há serenidade no olhar, assim como sua aparente fragilidade funciona para esconder um ímpeto interior tão inesperado, quanto bem empregado. Rebecca Ferguson (Lady Jessica) e Stellan Skarsard (barão Vladimir Harkonnen) são tanto medo quanto ameaça, e ambos entregam sem muito esforço mais do que lhes é exigido. Mesma linha seguida pelos ótimos Charlotte Rampling (a Reverenda-Mãe Mohiam) e Javier Bardem (Stilgar, líder dos Freman, o povo do deserto), que mesmo com pouco em cena, fazem de cada instante um momento de peso e relevância, deixando impregnada na tela suas presenças, captando todos os olhares. Tem-se, enfim, a elaboração de uma proposta ambiciosa. As peças estão nos seus devidos lugares, mas cada movimento é tão calculado que o risco de se esvaziar a espontaneidade é imenso. Sorte que aqueles à frente do jogo demonstram comprometimento suficiente para evitar qualquer sensação de déjà vú.

Robledo Milani

é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *