Crítica

Clint Eastwood sempre foi um cara de poucas palavras, assim como a maioria dos personagens que interpretou em toda a sua carreira. Sem muita frescura, faz seu trabalho numa boa, tranqüilamente, sem alarde ou arroubos de estrelismo. Seu maior sucesso até esse momento – ao menos segundo a crítica – Os Imperdoáveis (1992), pelo qual ganhou dois Oscars (Filme e Direção), mesmo sendo um belo filme, nada mais é do que uma homenagem a um dos gêneros cinematográficos que fez do cinema hollywoodiano o que é hoje: o western. E este Dívida de Sangue, feito dez anos depois, também não vai muito além de um tema que o realizador e protagonista que conhece como poucos, a dos filmes policiais. Afinal, estamos falando do próprio Dirty Harry!

O tempo passou para Eastwood – como para todo o mundo – e ele não faz questão nenhuma em esconder isso. Logo na primeira seqüência, o vemos sofrendo um ataque do coração ao perseguir um assassino. Ele está velho, e assim como em Cowboys do Espaço (2000) ou Na Linha de Fogo (1993), isso é ponto importante na trama, mas não fundamental – ele tem suas debilidades, sua falta de fôlego, os remédios a tomar a todo instante, mas também não se exime de andar a peito aberto pela rua com uma espingarda nas mãos ou de agarrar a “mocinha” numa quente cena de sexo (à medida do possível, é claro).

O título nacional é até mais adaptado à trama do que o original. É sim, um trabalho sangrento que ele tem a fazer, mas é mais ainda uma dívida feita de sangue: ele aceita ir atrás do maníaco que matou a mulher que acabou servindo como doadora de seu novo coração. Logo, descobre-se que o cara é o mesmo serial killer que há dois anos ele perseguia quando teve o ataque. E estabelece-se o tradicional jogo de gato e rato: um só existe em função do outro. As pistas se estabelecem através do método de recados e códigos deixados nos locais dos crimes para que McCaleb (Eastwood) continue no seu encalço. No meio disso tudo, ainda tem a irmã da vítima que lhe doou o coração (Wanda de Jesus, de O Informante, 1999), seu vizinho vagabundo (Jeff Daniels, de Looper: Assassinos do Futuro, 2012) e a médica que lhe operou (Anjelica Huston, de 50%, 2011, numa participação carinhosa).

O maior problema de Dívida de Sangue é o roteiro, que apesar da premissa interessante, apresenta mais furos do que uma peneira. O livro do escritor Michael Connelly, em que o filme se baseia, foi um sucesso de público e crítica nos Estados Unidos, mas infelizmente não teve um bom trato nas mãos do oscarizado roteirista Brian Helgeland (Los Angeles – Cidade Proibida, 1997), que depois de ter virado diretor (sua estreia foi em O Troco, 1999, com Mel Gibson), parece ter abandonado as boas técnicas empregadas em seu melhor trabalho – dessa vez ele esbarra todo o tempo nos mais comuns clichês do gênero. Não há muito mistério quanto à grande revelação de quem é o assassino, já que é possível adivinhá-la no meio do filme. O interesse mesmo acaba ficando na boa e econômica direção de Eastwood, o que confere ao andamento da história uma condução digna e envolvente, assim como sua interpretação, a qual se encaixa perfeitamente ao tipo exigido pelo conjunto de circunstâncias desenhadas no roteiro.

Tudo bem, não é um filme memorável – longe disso, na verdade – mas é uma obra rara nos dias atuais, feito à moda antiga, que lembra muito Fugindo do Passado (1998), outro policial da mesma época que apresentava características semelhantes, estrelado por Paul Newman. Vale uma espiada, nem que seja pela nostalgia de se ver um dos maiores mitos do cinema norte-americano envelhecendo como poucos – fazendo o que gosta, e ainda com muita habilidade.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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