Crítica

Resultado do empenho e da dedicação da atriz e produtora Naura Schneider, Dias e Noites representa mais um capítulo no atribulado relacionamento entre o Rio Grande do Sul e o Cinema Nacional. E o filme exemplifica bem a máxima de que no estado se há muita quantidade, porém pouca qualidade. Afinal, com exceção de um ou outro, qual dos tantos filmes gaúchos feitos nos últimos anos pode ser apontado como algo realmente bom? Certamente não Dias e Noites, infelizmente.

Naura resolveu levar às telas o livro de Sérgio Jockymann, Clô Dias e Noites, que havia lido anos atrás e se apaixonado. Decidida a fazer desta história sua estréia nas telas, foi atrás de parcerias profissionais, levantando o orçamento necessário para ver seu sonho virar realidade. E não é que conseguiu? Somente por todo este esforço é complicado ser muito cruel com a obra. O que ela fez foi algo hercúleo, digno de aplausos. Pena que estes sejam direcionados apenas a dedicação que houve por detrás da tela, e não o que vemos em cena.

Com direção de Beto Souza, o mesmo do irregular Cerro do Jarau e co-diretor do pouco reconhecido Netto Perde Sua Alma, Dias e Noites foi produzido pela Panda Filmes, a mesma de Valsa para Bruno Stein. No roteiro está Pedro Zimmerman, vencedor do kikito no Festival de Gramado pelo trabalho feito em Diário de um Novo Mundo. Já a trilha sonora ficou a cargo do ótimo Guto Graça Mello, o mesmo de Cazuza – O Tempo Não Pára e Se Eu Fosse Você, entre outros. Ou seja, sinal de que Naura se cercou de muitos talentos. Então, por quê o filme é ruim? Complicado dizer. Mas é notório que ele, simplesmente, não funciona, por mais esforçados que todos estejam.

Dias e Noites tem como protagonista Clô, uma mulher que desde jovem ousou desafiar as regras da sociedade e trilhar seu próprio caminho. Ainda adolescente, do campo gaúcho, é obrigada pelo pai a se casar com um homem mais velho (Antonio Calloni, muito bem), que a maltratava e tudo que exigia dela era um filho. Quando finalmente consegue se livrar deste casamento frustrado, vai para a cidade grande e vira amante, primeiro de um advogado (Zé Victor Castiel, sem muitas oportunidades), depois de um playboy (Dan Stulbach, visivelmente desinteressado) e, por fim, de um rico empresário (José de Abreu, surpreendentemente convincente). A luta para reaver a guarda dos filhos e se encaixar num contexto social em constante mutação marcam sua trajetória.

Filmado inteiramente no Rio Grande do Sul, com cenas em Santa Maria e em Porto Alegre, Dias e Noites peca em pontos específicos, como na fluência da trama, que é truncada e por vezes pouco convincente, na edição, que opta por algumas soluções fáceis e nada originais, na direção de Beto, pouco criativa, e no desempenho da protagonista, que até então nunca havia encarado um desafio deste porte. Naura Schneider foi apresentadora de televisão e tem em seu currículo pequenas participações em novelas como Senhora do Destino e em seriados como A Diarista e Você Decide, todos na Rede Globo. Ou seja, nada marcante e tão profundo. Talvez, a partir desta experiência, ela possa se refinar e, em ocasiões futuras, revelar um talento até então não lapidado. Mas agora o que temos como resultado é um filme cheio de percalços, que existe exclusivamente devido ao esforço de uma artista empenhada, porém carente de uma orientação mais direcionada. Por mais incrível que isso possa parecer.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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