Crítica


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Sinopse

O desejo de Nestor de ir morar com a irmã nos Estados Unidos esbarra no fato dele ser o único que cuida da mãe de ambos. Mesmo querendo muito ir, Nestor sabe que não pode deixa-la sozinha.

Crítica

Néstor (Miguel Narro) é um jovem mexicano se sentindo sufocado na sua cidade natal. Ele namora uma jovem operária, trabalha num pequeno hotel às moscas, mora com a mãe e visita a vizinha idosa para saber se ela está bem. O irmão mais velho mora distante e mais longe ainda vive a irmã que migrou aos Estados Unidos. O protagonista de Dias de Invierno também almeja ir embora e supostamente não transforma o desejo em ação porque a genitora assim ficaria sozinha. Mas, não é bem isso o que o filme de Jaiziel Hernández apresenta. São poucos os instantes em que a relação mãe/filho é colocada como empecilho, fator complicador diante da iminência do possível rompimento da convivência cotidiana. Aliás, a trama demora um pouco a engrenar, patina até a mostrar ao que veio. Seus primeiros movimentos são um tanto desconexos para quem ainda não foi apresentado ao contexto. O conjunto é uma colagem de episódios que apontam ao tédio prevalente por ali, mas falta um entendimento da localidade como indício de algo, exceção às passagens ambientadas na fábrica.

O jovem Néstor diz que intenta ir embora, mas não tem perspectivas. É como se a cidade o afetasse, mas em nenhum momento ele esboça um plano efetivo para sobreviver longe da mãe. Esta, por sua vez, aparece em instantes recreativos com a amiga no cassino, sendo cortejada por um guia bem mais jovem. Porém, isso acaba não acrescentando muito à trajetória da personagem. Dias de Invierno é mais uma soma de pequenas radiografias do que necessariamente um painel amplo e consistente. Compreende-se que o desembaraço de Lilia (Leticia Huijara) diante da possibilidade de um novo envolvimento amoroso pode lhe ser benéfico depois de tantos anos de solidão, mas isso fica demasiadamente restrito à ocasião, não ressoando adiante. Lety (Anahi Davila), a namorada, pensa em fazer faculdade, mas leva em consideração a mudança de seu sonho em prol da companhia do homem amado. Novamente, esse dilema é bem circunstancial, não expandindo-se para além uma troca de palavras mais ríspidas que denotam insatisfações vindo de ambos os lados e a não conciliação.

Uma vez que o longa tem esse caráter fragmentado, na medida em que a trama avança ela ganha consistência. O solitário norte-americano empático com trabalhadores, a despeito do que sua posição de chefia exige, é visto como um instrumento da força estrangeira operando naquela localidade terceiro-mundista. Entre as conversas amigáveis com Néstor num cenário de abandono, onde um mora momentaneamente e o outro trabalha diariamente, ele tem uma cena para mostrar sensibilidade diante da situação na qual dele se esperava frieza. Jaiziel Hernández utiliza clipes embalados por músicas estadunidenses para desenhar exceções beirando o idílico, como o jogo de boliche em câmera lenta que faz os apaixonados esquecerem brevemente que possuem projetos de vida divergentes. Os conflitos são excessivamente verbalizados (explicados) e as passagens de contemplação dizem mais respeito ao âmbito particular do que às dúvidas e dificuldades enfrentadas como sintomas. No meio disso tudo, há a metáfora se desprendendo do problema de lógica que Néstor encara.

O protagonista de Dias de Invierno não consegue resolver a questão posta de cães evitando que um lobo saia de um quadrilátero imaginário. Fica muito claro, inclusive pela forma banal com a qual o realizador articula esse enigma, que, uma vez ele resolvido (se tiver solução, obviamente), Néstor encontrará o caminho da sonhada "liberdade". Ele seria o lobo pastoreado pelos grilhões familiares, por pressões do próprio coração e, em semelhante medida, pelos ditames sociais que lhe martelam a urgência de conseguir estabilidade financeira. Algumas sequências potencialmente fortes do ponto de vista simbólico, como a do carro no atoleiro e o posterior reencontro numa estrada em meio ao breu, atingem apenas parcialmente a função de desencadear sensações. Postos todos os impasses (de algum modo convergentes e/ou derivativos), o filme empaca por falta de alternativas, se voltando frequentemente a coisas com as quais já tínhamos lidado. A falta de potência dramática da presença do irmão mais novo, bem como a pouca carga simbólica da casa da família prestes a ser vendida, são traços desse filme que não desenvolve tanto a sua premissa repleta de potenciais.

Filme visto online no 48º Festival Internacional de Cinema de Gramado, em setembro de 2020

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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