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Sinopse

Moises está viajando com um grupo de pessoas que tenta atravessar pela fronteira do México com os Estados Unidos, buscando uma nova vida no norte. No caminho, eles se deparam com um solitário homem, Sam, que assumiu as funções da patrulha na fronteira em suas mãos racistas.

Crítica

Não é apenas o título do longa-metragem que evidencia a vontade de tornar protagonista a natureza. A trama de Deserto se fundamenta nos conflitos entre norte-americanos e mexicanos, estes que tentam atravessar a fronteira para buscar uma vida melhor. Tudo se passa literalmente do alvorecer ao crepúsculo de um dia na paisagem erma e castigada pelo sol escaldante que liga os dois países. Um grupo de hispânicos é obrigado a seguir a travessia a pé, depois que o carro contratado para leva-los enguiça no meio do nada. Moises (Gael García Bernal) se destaca dos demais por ser mecânico, tentando, em vão, colocar o veículo para funcionar. É o primeiro dos muitos exemplos da presteza e da bondade desse homem, realçado exatamente por conta de sua conduta. Aliás, neste filme as atitudes definem inapelavelmente os destinos. Portanto, ser atencioso e demonstrar solidariedade torna-se um passaporte à sobrevivência. Já apresentar algum traço de ruindade, leva ao fim prematuro.

Tal dinâmica de eliminação é muito clara na realização de Jonás Cuarón, filho do também cineasta Alfonso Cuarón. Uma vez assimilado o esquema, que engessa a progressão narrativa, o longa passa a ser vítima da previsibilidade. Sam, o algoz interpretado por Jeffrey Dean Morgan, se encarrega de desfalcar drasticamente a caravana na primeira investida de ódio contra os imigrantes ilegais. Ao mesmo tempo, é uma demonstração de flagrante violência, uma forma de reduzir os coadjuvantes, a fim de estreitar o foco, e um direcionamento. Afinal de contas, já que em Deserto o mais importante é justamente a ação, em detrimento das motivações por trás delas, a barbárie define a vilania do estadunidense, bem como encaminha o seu desfecho. Morgan, todavia, logra êxito ao construir esse sujeito irascível, acompanhado do pastor alemão que rastreia as vítimas antes delas serem abatidas impiedosamente. Não deixa de ser uma visão crítica sobre a conduta ianque diante do México.

Cuarón subaproveita a paisagem, fazendo dela somente um entrave geográfico ordinário aos dois lados da caçada, já que Sam igualmente sente os efeitos das subidas, descidas e da opressão do meio. Em boa parte de sua curta duração, o filme se resume a um jogo de gato e rato, com superficial evolução dramática, carente de uma condução que lhe confira tensão para além da intrínseca à conjuntura apresentada. O trabalho de Gael García Bernal praticamente se dilui nessa corrida desesperada, pois seu personagem é limitado a demonstrar honradez e a fugir. É frágil a maneira como o roteiro tenta estofar as pessoas em cena, recorrendo a diálogos expositivos. Assim, sabemos um pouco da histórica pregressa de Moises e de Adela (Alondra Hidalgo), a companheira de resistência. Todavia, Deserto ainda consegue dar uma boa ideia das agruras dos mexicanos que decidem mudar-se ilegalmente aos EUA, sendo, nessa lógica, Sam o representante do extremismo conservador de Donald Trump e companhia.

É realmente uma pena que Jonás Cuarón não busque transcender o caráter mais evidente dessa relação perversa instituída, na qual a Terra das Oportunidades, representada por seus “patriotas” mais empedernidos e radicais, alarga o fosso do abismo social. Não há, porém, em Deserto um impulso de aprofundamento, pois se privilegia a instância epidérmica, a fisicalidade do deslocamento penoso para manter-se respirando e com esperanças de uma realidade menos aviltante no Primeiro Mundo – o que acaba instaurando um paradoxo, inclusive, verbalizado por Adela e, por isso mesmo, banalizado. Como longa-metragem de ação e perseguição, funciona razoavelmente bem, embora Cuarón tenha inclinação por repetições de procedimentos, tanto formais quanto dramáticos, que retiram peso das ressonâncias. A câmera nervosa, inquieta, nem sempre é suficiente para abrandar as debilidades da abordagem, ocasionalmente servindo para aumentar a angústia neste filme inconsistente.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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