Crítica


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Sinopse

Recém-viúva e preocupada com a tristeza de sua filha, Olivia encoraja a menina a viajar com os amigos para espairecer. Ao retornar, eles dizem que a jovem sequer embarcou. Começa então uma procura desesperada.

Crítica

Gaslight é um termo em inglês que implica abuso mental. Ou seja, é como uma lavagem cerebral, quando, na tentativa de ludibriar alguém, aqueles ao seu redor começam a se comportar de modo estranho e inesperado, levando à vítima a duvidar das suas próprias convicções. Essa expressão se tornou mais popular na psiquiatria e no senso comum após o lançamento do clássico À Meia Luz (Gaslight, no original), de 1944, que rendeu o Oscar de Melhor Atriz para Ingrid Bergman. A trama, aliás, era justamente sobre um homem que, para esconder um segredo, armava artimanhas e mentiras para enlouquecer a esposa. Pois bem, é basicamente o que acontece também em Desaparecida (Gaslit, uma abreviação), produção tão genérica quanto a variável empregada no título. Aliás, ainda mais curioso – e indicativo dos reais méritos do projeto – era o batismo dado durante a produção, derivativo e provisório: Is My Daughter Really Dead?, ou seja, Estaria Minha Filha Realmente Morta?. Se estes sinais não foram suficientes para antecipar o tamanho do desastre que se anuncia a seguir, então é provável que o espectador consiga aproveitar as absurdas reviravoltas e as atuações sofríveis aqui apresentadas.

No filme escrito e dirigido por Colin Edward Lawrence – que antes havia feito apenas um telefilme, o igualmente pouco auspicioso Dormindo com um Assassino (2019) – a história começa com Olivia (Zoe McLellan, de Designated Survivor, 2017-2018) dando adeus ao marido, Layne (Matthew Pohlkamp, visto em Here and Now, 2018). Ele já está de malas prontas, saindo de casa em meio a uma agressiva discussão. Mas a filha dos dois, Hannah (Stevie Lynn Jones, que participou de séries como Shameless, 2019, e Mentes Criminosas, 2017), ao surgir entre eles, reage como se nunca houvesse notado qualquer desentendimento entre os pais, demonstrando surpresa com a separação, além de revolta contra a atitude da mãe. Atenção: não estamos falando de nenhuma menina. É uma jovem sinuosa e excessivamente maquiada em todas as cenas em que aparece, o que deveria apontar sua suposta maturidade. Algo que, no final das contas, será o que menos importa entre tantas outras que não fazem o menor sentido.

Este é o tipo de filme no qual todos os personagens, por menor que sejam suas participações, possuem importância fundamental na resolução do mistério proposto. Ou seja, para solucioná-lo, é apenas uma questão de juntar as peças. Senão, vejamos. Assim que fica sozinha, Olivia percebe novos vizinhos que acabaram de se mudar para a casa ao lado: uma jovem e atraente mãe solteira, com sua filha adolescente – tal qual ela mesma, agora em sua nova condição. Também retorna ao seu convívio um antigo colega de trabalho – ela é pintora e dona de uma galeria – um artista que não faz questão nenhuma em esconder que seu interesse nela vai além do profissional. Soma-se a isso uma notícia inesperada – no mesmo dia em que se separam, o ex-marido sofre um acidente de trânsito e é dado como morto – e mais dois elementos aparentemente inocentes, mas tão envolvidos quanto os demais: o detetive que trata de avisá-la do que aconteceu, e a psicóloga que deveria ajudá-la nesse processo de reconstrução.

Até demora bastante – cerca de metade dos pouco mais de 80 minutos de projeção – para que, enfim, se anuncie aquilo que havia sido anunciado já no nome de trabalho: a filha também desaparece. Teria ela passado um final de semana em um acampamento com as vizinhas? O professor de artes teria sido o último a vê-la? Ou, de fato, a garota teria morrido junto com o pai, e o que fora o visto até aquele momento não passaria de uma confusão mental da mãe, inconformada com a morte da menina? Há laudos médicos e relatos oficiais que indicam a última versão. Mas, por outro lado, há também uma testemunha que pode indicar o contrário. Porém, quando essa é assassinada sem muitos cuidados, como se todos os eventos aqui narrados fossem consequências de atos impensados, imaginar o que virá a seguir não parece exigir maiores esforços, tamanha é a obviedade de cada “revelação”.

Nas mãos de um diretor experiente, talvez Desaparecida pudesse ser, ao menos, um passatempo interessante. Alguém mais exigente, no entanto, se veria obrigado a mexer em tanta coisa na estrutura narrativa que o mais provável é que desistisse e começasse algo novo do zero. Aliado a isso, há atores obviamente despreparados, que vão do excesso ao absurdo, expondo caretas e reações exageradas sem o menor sentimento de equilíbrio. O marido é muito mau, a amante é muito vingativa, as mortes são muito brutas – tudo é em demasia. Mas o pior mesmo é a absoluta falta de motivação: qual a razão para o que se vê? Quais os interesses desses personagens? Logo na primeira cena, Olivia já deixa claro saber que o esposo tinha um amante e decide não lutar pela relação dos dois, preferindo mandá-lo embora. Então, por que não foi ele viver feliz com a nova mulher e deixou a ex em paz? Não há uma herança, uma fortuna escondida, uma desfeita que teria ferido o orgulho de alguém, nada disso. É apenas bobagem. Assim como esse filme, se é que pode ser considerado como tal.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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