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Sinopse
Em De Nápoles a Nova York, estamos no imediato pós-guerra. Entre as ruínas de uma cidade devastada pela miséria, os pequenos Carmine e Celestina tentam sobreviver como podem. Numa noite, embarcam como clandestinos em um navio rumo aos Estados Unidos com o sonho de viver com a irmã da menina, que emigrara anos antes. Ao lado de tantos outros italianos em busca de uma vida melhor, os dois chegam a uma metrópole estranha. Drama.
Crítica
Se há algo que o cinema italiano sempre soube fazer com propriedade, é conferir respeito a seus personagens infantis. Isso acontece desde o atento e cauteloso Bruno de Ladrões de Bicicleta (1948) até obras que homenageiam esse modo de fazer cinema, como Luca, animação da Pixar lançada em 2021. Esse olhar que vê o mundo sob a perspectiva de quem ainda não o compreende completamente encontrou ecos em diretores da geração pós-guerra, como Steven Spielberg, para apontar para um realizador de renome mundial, e Gabriele Salvatores, diretor de De Nápoles a Nova York. Aqui, ele se aproxima dessa mesma sensibilidade, buscando transformar histórias de desamparo em trajetórias de esperança sem abrir mão da observação crítica do mundo.

Na trama, baseada em ideia original de Federico Fellini, situada logo após a Segunda Guerra Mundial, Nápoles emerge devastada, marcada pela miséria e pela destruição. É nesse cenário que conhecemos Celestina (Dea Lanzaro) e Carmine (Antonio Guerra), duas crianças que tentam sobreviver entre escombros e fome, encontrando forças em pequenas alegrias e sonhos de futuro melhor. Quando Celestina descobre que sua irmã mais velha, Agnese, emigrou para os Estados Unidos em busca de novas oportunidades, o impulso por mudança leva os dois a embarcarem clandestinamente em navio rumo a Nova York, unindo-se a multidão de italianos em busca de recomeço, e transformando a travessia em rito de passagem e aprendizado.
Embora o percurso até os EUA por vezes se perca em digressões, a chegada compensa o espectador. As reconstruções visuais – ainda que bastante auxiliadas por recursos digitais – transportam para a América do meio do século XX, com luzes, carros e cenários que recriam o pulsar da época de forma cativante. Nesse universo, destacam-se diversos personagens, especialmente o carismático Pierfrancesco Favino, como o oficial Domenico Garofalo, que imprime presença e esperança ao longo da narrativa, com humor elegante que alivia tensões sem banalizar os dilemas propostos pelas crianças. Salvatores toca em temas densos, como racismo, xenofobia e feminismo, que permeiam o filme sem se aprofundar completamente, mas sempre perceptíveis, como pano de fundo que colore a fábula e reforça o olhar da narrativa sobre a construção de mundo melhor em meio à dureza da realidade.
É instigante observar como Salvatores conduz a história pelo olhar de Celestina e Carmine, filtrando a guerra, a fome e o sonho americano através da inocência e do encantamento infantil. Assim como o já citado diretor vencedor de três Oscars fez E.T. O Extraterrestre (1982) e Império do Sol (1987), essa perspectiva permite que temas graves sejam abordados com compaixão e melancolia doce, sem perder o vigor narrativo. A fotografia quente, a trilha sonora envolvente (repleta de canções da época) e os enquadramentos que apresentam as crianças diante de horizontes amplos – do mar aos navios, da cidade estrangeira ao espaço de liberdade recém-descoberto – reforçam a sensação de que o conto, mesmo inserido em contexto real, serve como ponte entre o sofrimento e a esperança.

No fim das contas, De Nápoles a Nova York funciona como um feel‑good movie sofisticado, equilibrando drama e leveza, dor e encantamento. Embora não reinvente as tramas de imigração ou do olhar infantil sobre os males do mundo, deixa – com cada gesto dos personagens carregando humanidade e esperança – sensação de plenitude, de que é possível olhar para o passado com ternura e, ainda assim, se permitir sonhar com um futuro melhor – o mesmo gatilho emocional de Celestina em busca de Agnese.
Filme visto durante o 20º Festival de Cinema Italiano no Brasil, em outubro de 2025
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