Crítica


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Sinopse

Um homem vive seu sonho de infância, apesar do autismo. Em situações assim, a diversidade pode se transformar em vantagem.

Crítica

Pouco conhecido do público brasileiro, Luca Argentero talvez seja um dos maiores galãs do atual cinema italiano, ao lado do xará Luca Marinelli e Stefano Accorsi, entre poucos outros. Visto em sucessos como Saturno em Oposição (2007), de Ferzan Ozpetek, ou o hollywoodiano Comer Rezar Amar (2010), no qual fez par romântico com ninguém menos do que a linda mulher Julia Roberts, ele aparece como o personagem-título de Copperman: Um Herói Especial, num visível – e bem-sucedido – esforço para ir além da bela estampa que lhe compete, revelando um intérprete versátil e capaz de voos mais profundos na alma das figuras que lhe compete criar. Um resultado não de todo inesperado – afinal, está se falando aqui de um intérprete com mais de duas décadas de carreira – mas que, ainda assim, confirma-se como uma grata surpresa.

Em um pequeno vilarejo no interior da Itália, Anselmo é o garoto que foge dos padrões. Ele não entende bem as brincadeiras que os outros meninos pregam nele, leva tudo que lhe é dito ao pé da letra, acredita na força tranquilizadora dos círculos e tem verdadeiro pavor da cor amarela. Sua condição particular não chega, em nenhum momento, a ser explicitada em tela – muito provavelmente pela própria ignorância destes personagens, que preferem tratá-los como ‘diferenciado’, entre os que o acolhem, ou mesmo como ‘retardado’, pelos que o atacam – mas não restam dúvidas que se trata de um caso – não dos mais graves, mas ainda assim – de autismo. Afinal, por maiores que sejam suas deficiências em relação aos demais, há também vantagens que não podem ser ignoradas.

Uma destas é a memória privilegiada, além da crença profunda em tudo aquilo que lê nas histórias em quadrinhos. A ponto de, frente a um desafio que irá se arrastar por muitos anos em sua vida, a única solução que encontrará será a criação de uma identidade secreta para si mesmo. É quando nasce Copperman, o super-herói revestido de uma armadura de cobre que irá protegê-lo em suas rondas noturnas contra os malfeitores da região. Até que ponto tudo o que é visto em cena de fato aconteceu na trama, isso compete ao campo da imaginação tanto dos espectadores como daqueles vistos em cena. Se há crença, também há verdade. Mas, por vezes, isso talvez não seja bastante. Por isso que alguns olhos compreensivos e atentos, como os da mãe, que por ele sempre zelou, ou o do ferreiro que o observa de longe, cuidando da segurança do rapaz ainda que esse não perceba tais ações, terminam por fazer a diferença em sua vida.

Mas há um drama na vida de Anselmo. Copperman, em última instância, pode ter sido criado para lhe dar as condições necessárias para lidar com uma perda muito sentida. A única menina da escola que o olhou sem pena, mas de igual, não mais está ao seu lado. Ela partiu, assim que o pai, que tanto agredia o menino e todos os demais das redondezas, foi levado preso. Em quem ficou, permaneceu a saudade. E a esperança de que um dia a promessa que os dois trocaram fosse, enfim, cumprida. Ele se entregou a ela. E, portanto, seguirá esperando. O tempo que for preciso. Entre o pequeno Sebastian Dimulescu (Nico 1988, 2018), que interpreta o protagonista da infância, e Argentero, que o vive quando adulto, há impressionante sintonia. Ambos se completam. E a dor que ficou na criança segue repercutindo no homem que ele se tornou. Por isso que, quando o vislumbre de um final feliz começa a se desenhar, não será pouca a torcida a seu favor. Por mais complicado que possa ser o caminho até ele.

Não há dúvidas que o público ao qual Copperman: Um Herói Especial se destina é o infantil. É com prazer, no entanto, que o espectador mais maduro irá perceber que não está sozinho na audiência. Afinal, a linguagem empregada é universal, e ao falar de perda e recuperação, amores sonhados e felicidades concretas, o diretor Eros Puglielli (Olhos Mortais, 2004) consegue estabelecer voos mais ambiciosos do que aqueles imaginados no início da sua história. E por mais que certos desfechos possam parecer apressados – algumas figuras são descartadas sem maiores cerimônias, principalmente as mais próximas do protagonista – outros são introduzidos com precisão – como os colegas da instituição – e, por isso mesmo, estabelecendo laços que não serão ignorados. Assim, o conjunto se revela forte, certo das suas intenções e apto para entregar uma mensagem que, mais do que tolerância, evoca sentimentos ainda mais nobres – e até mesmo simples – como proximidade e afeto. Elementos não raro em falta, e que por aqui se apresentam em perfeita abundância.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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