Crítica

Por um bom tempo, a história de Pablo Escobar esteve sob o radar hollywoodiano, com diversos projetos em desenvolvimento que nunca chegavam a sair do papel. O longa Escobar: Paraíso Perdido (2014) surgiu como a primeira tentativa a finalmente ganhar a tela grande, porém sem muita repercussão. Somente um ano mais tarde a trajetória do rei dos cartéis colombianos realmente conquistaria a atenção do público com o lançamento do seriado Narcos (2015). No embalo do sucesso da produção da Netflix, que traz o brasileiro Wagner Moura na pele do notório traficante, chega aos cinemas este Conexão Escobar, apresentando o tema da guerra ao narcotráfico sob o ponto de vista, em sua quase totalidade, da lei norte-americana.

A trama dirigida por Brad Furman baseia-se no livro autobiográfico de Robert Mazur, um oficial da alfândega que aceitou a missão de trabalhar infiltrado, com o intuito de seguir o caminho do dinheiro da venda de drogas nos Estados Unidos para chegar a Escobar. O personagem, vivido por Bryan Cranston, assume então o pseudônimo de Bob Musella e utiliza um contato conseguido por seu parceiro Emir Abreu (John Leguizamo) para se apresentar como um mafioso italiano capaz de gerenciar um esquema de lavagem mais seguro e vantajoso para os soberanos da cocaína de Medellín. Aos poucos, Mazur/Musella consegue ascender na hierarquia do cartel, se aproximando de seu objetivo na mesma medida em que os riscos da tarefa aumentam.

De imediato é perceptível a indecisão de Furman em relação ao rumo que deseja dar ao filme, trafegando pelo thriller de ação, pela investigação dos meandros da operação e pelo estudo de personagem, sem se aprofundar em nenhuma dessas frentes. A narrativa se apresenta truncada, já que o diretor ignora a preparação de diversas sequências, que surgem de modo abrupto e sem a devida criação de expectativa, como o encontro de Cranston com o personagem de Michael Paré nas corridas ou quando é levado à Colômbia e presencia uma espécie de ritual de magia negra. A dificuldade em situar a trama no tempo e no espaço também contribui para a falta de fluidez. Muitas vezes não fica claro o intervalo entre as ações, assim como o local onde ocorrem, fazendo com que alguns personagens pareçam estar onde não deveriam.

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Um exemplo dessa confusão temporal/espacial é quando um dos criminosos aparece no restaurante onde Mazur/Musella comemora o aniversário de casamento com sua esposa. Algo que soa improvável e gratuito, uma mera desculpa para obrigar o protagonista a assumir sua identidade falsa de modo mais intenso. Há ainda ganchos no enredo que são completamente abandonados sem explicação, como os homens misteriosos que parecem seguir Mazur e, depois de identificados, simplesmente somem. As fragilidades são inúmeras dentro de um roteiro ancorado em saídas fáceis, como o fato de todas as ameaças aos disfarces dos agentes serem convenientemente eliminadas sem que estes precisem “sujar as próprias mãos”. Isso sem falar em passagens que desafiam a lógica, como a da mensagem enviada a Mazur por Escobar.

As atitudes do personagem principal, que diversas vezes coloca sua família em risco – o que inclui até envolver a tia, personagem subaproveitada vivida por Olympia Dukakis - constituem outro ponto bastante contestável. As relações familiares, por sinal, ficam basicamente restritas a clichês - o marido ausente que adia a aposentadoria e coloca o trabalho acima de tudo – e, tal qual com a esposa real, o relacionamento com a companheira fictícia, a agente inexperiente Kathy (Diane Kruger), nunca é explorado por completo. Porém o mais grave talvez seja o aspecto psicológico envolvendo Mazur e a crescente obsessão que o leva a se confundir cada vez mais com a personalidade criada para sua farsa. Que uma novata como Kathy sofra com o peso do envolvimento emocional é compreensível, mas para alguém com a experiência de Mazur essa reação parece menos aceitável.

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Furman dirige de forma protocolar e sem personalidade, conseguindo apenas em raros momentos imprimir a tensão necessária à narrativa. Nem mesmo a ambientação na década de 1980, com todos os seus exageros típicos, é bem utilizada pelo cineasta, ficando limitada a alguns detalhes, como na boa cena inicial na pista de boliche ou no visual do capanga afetado (Yul Vazquez) e sua silenciosa escudeira. O elenco coadjuvante fica preso a papéis rasos – Leguizamo vira alívio cômico, Amy Ryan vive a chefe durona cheia de frases de efeito, Benjamin Bratt e Elena Anaya assumem o casal de vilões charmosos – mas a competência de todos garante que possam acompanhar Cranston, que com o carisma habitual se esforça para elevar a complexidade de seu personagem. Além do trabalho dos atores, resta a história real que por si garante o interesse, com um clímax numa festa de casamento envolto em alguma ironia – sobre lealdade e a própria natureza insólita de toda a operação – e uma ótima trilha sonora. Aliás, a escolha de Rush nos créditos iniciais e The Who nos finais é com certeza o maior acerto de Furman em Conexão Escobar.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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