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Sinopse

Jack é um estudante do ensino médio que vive com sua mãe solteira, Karen, numa cidade suburbana dos Estados Unidos, nos anos 1990. Ele não tem amigos e não se encaixa em nenhum grupo, até que o novo namorado de sua mãe muda-se para sua casa e traz junto seu filho Mark. Jack e Mark conectam-se rapidamente e formam uma forte amizade, junto com Sarah, que conhecem após um encontro casual. Os três adolescentes tornam-se a salvação um para o outro, até que mudanças acontecem e segredos vem à tona, os forçando a olhar para si mesmos e ver até onde estão dispostos a viver a vida que escolheram.

Crítica

Os dois garotos protagonistas de Como Você É enfrentam, cada um à sua maneira, as significativas agitações da adolescência. Boa parte da dificuldade de Jack (Owen Campbell) é apresentada na inteligente sequência de excertos de uma rotina solitária, ainda durante os créditos. Já o caminho tortuoso de Mark (Charlie Heaton), sobretudo no que diz respeito à opressão oriunda do autoritarismo e da violência domésticos, se desvela aos poucos. As histórias deles se cruzam em virtude do relacionamento da mãe de um com o pai do outro. Viram meios-irmãos, amigos inseparáveis, blindando-se mutuamente contra a hostilidade. Uma das poucas pessoas com quem conversam na escola, este ambiente encarado pelo diretor Miles Joris-Peyrafitte como um lugar pouco acolhedor ao que foge do padrão comumente aceito, é a menina Sarah (Amandla Stenberg). Com ela se forma um trio dissonante daquela paisagem entorpecida pela rotina. Juntos eles parecem bem mais fortes.

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Essa linha geral, centrada no envolvimento de jovens afetivamente marginalizados em meio ao sofrimento de um cotidiano instável, é entrecortada pelo registro de depoimentos formais a uma autoridade policial ou algo que a valha. Praticamente todos os personagens do filme, em algum momento, se dirigem a essa pessoa fora do quadro, cuja voz superficialmente calma guarda a tensão e a expectativa de quem deseja respostas, não rodeios. Somados ao tiro ouvido logo no começo, esses fragmentos dão a entender que transcorre algo no mínimo dramático, instância trabalhada com bastante vagar e habilidade. A felicidade do casal recém-formado pelos pais de Jack e Mark é tão intensa e traz, de cara, tantos benefícios a eles, que a desconfiança de um iminente desandar não tarda a se instaurar. Inclusive, Joris-Peyrafitte recorre à poesia de determinadas passagens para reforçar esse idílio prestes a ruir. Já a sexualidade, antes de ser campo de desbravamento e prazer, ganha ares de pesado fardo.

Jack e Mark são da turma grunge, algo definido não somente pelos figurinos – camisetas xadrez, calças largas (típicas de skatista), toucas, etc. – mas também, e principalmente, pela menção a Kurt Cobain, o líder da banda Nirvana que cantava suas agruras antes do suicídio aos 27 anos com um tiro na cabeça. Aliás, a familiaridade dos norte-americanos com armas de fogo se estabelece na condição de dado preponderante ao desenvolvimento de Como Você É. A cena em que o trio se diverte disparando com pistolas automáticas diante de alvos imóveis, em câmera lenta, funciona como uma espécie de sintoma desse fetiche. O perigo vai se impondo inapelavelmente como um convidado tão indesejado como incontornável. Ao largo das temáticas mais diretamente confrontadas, emergem questões acerca da insegurança e da instalação de um abismo de incomunicabilidade entre grupos que pensam diferente. Mesmo detido num caso específico, Joris-Peyrafitte acaba rascunhando o retrato de uma geração.

Próximo da resolução, Como Você É penhora certas sutilezas, deixando-se perceber mais abertamente em favor do adensamento dos problemas postos na mesa. A trilha sonora é um componente de destaque na construção da atmosfera deste longa-metragem, na qual sobressai a oscilação entre a esperança e a dor. Quando as linhas temporais se cruzam, ou seja, a partir do ponto em que os testemunhos devidamente esclarecem o ocorrido, o filme atinge o ápice no que tange à sua vocação trágica. Não chega a ser uma surpresa o desfecho dessa verdadeira ciranda de laços quebradiços, de amores e ternuras que insistem em desabrochar em terrenos nem sempre propícios. Isso, todavia, não tira o impacto deste belo drama de contornos melancólicos, que atribui responsabilidades aos cenários doméstico e social. Diante do conjunto, não é estranha a consternação pela morte do ídolo, do porta-voz dessa juventude desorientada, pois ela significa justamente a perda de um referencial.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
8
Diego Benevides
7
MÉDIA
7.5

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