Crítica


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Sinopse

Detalha minuciosamente a jornada que levou dois cineastas apaixonados a alcançar o seu sonho que parecia impossível. Ambos criaram o primeiro longa totalmente pintado do mundo: Com Amor, Van Gogh (2017).

Crítica

A atual realidade concernente ao consumo de filmes em âmbito doméstico nos ajuda a compreender o porquê de um filme como Com Amor, Van Gogh: O Sonho Impossível chega às telonas dos cinemas. Ele é demasiadamente próximo, conceitualmente, aos materiais que figuram como apêndices em mídias físicas. Poderia, assim, ser perfeitamente um extra do DVD/Blu-ray de Com Amor, Van Gogh (2018). O longa-metragem de Miki Wecel traça, retilineamente, um panorama curioso, mas cinematograficamente bastante pobre, acerca dos bastidores da produção premiada que se valeu de procedimentos nunca dantes vistos, principalmente a animação baseada em pinturas. Já na primeira cena, uma das diretoras da ficção sobre um dos maiores pintores da História sinaliza que não tem experiência para aquilo, que a equipe não se encontra inserida num grande mercado e que talvez eles nem possam se considerar prestigiados no cenário polonês.

Fica claro que Com Amor, Van Gogh: O Sonho Impossível existe para celebrar uma jornada hercúlea, pormenorizada nesse filme que perfaz cronologicamente um caminho, a começar pela formação da cineasta Dorota Kobiela, passando pelas dificuldades inerentes ao processo entendido como ideal para tirar da tela em branco a ideia aparentemente estapafúrdia – em virtude dos inúmeros contratempos provavelmente implicados –, passando por uma análise esmiuçada do método como um todo e culminando na felicidade garantida pela indicação de Com Amor, Van Gogh ao Oscar de Melhor Animação. Até mesmo a tentativa de fazer de Dorota uma personagem consistente, vide a forma como ela, bem como sua jornada pessoal, é centralizada inicialmente se perde em meio à trajetória debruçada sobre a documentação de algo sem precedentes. As imagens de arquivo se misturam esquematicamente com os depoimentos burocráticos.

Nessa arqueologia, demarcada pelos vislumbre das engrenagens adequadas à demanda, Com Amor, Van Gogh: O Sonho Impossível oferece um par de observações instigantes acerca do todo, sobretudo no que tange à fascinante técnica de animação calcada nas pinturas que mimetizam o estilo de Van Gogh. Todavia, ao invés de se ater às complexidades, aqui apenas mencionadas, como a incorporação de um segundo diretor ao projeto em pleno decurso, Miki Wecel prefere empilhar rememorações simplórias, construindo um caminho previsível, guiado por discursos relativamente uniformes, isto incentivado pela montagem que se encarrega de fazer as falas de uns serem completadas pelo raciocínio dos outros. Nesse itinerário são borradas as idiossincrasias e singularidades. É falseada a noção de unidade que sobrepuja traços de individualidade. Trata-se de uma história contada por "vencedores", guiada por olhares retrospectivos e sobremaneira orgulhosos.

Com Amor, Van Gogh: O Sonho Impossível possui vocação jornalística, haja vista a imprescindibilidade das informações quanto à energia investida em cada parte da extenuante e improvável labuta que durou mais de meia década. Uma vez que Hugh Welchman, um dos diretores creditados de Com Amor, Van Gogh, aqui desempenha a função de roteirista, fica mais fácil compreender o caráter “oficial”, a autocelebração destituída de arestas e ambiguidades, basicamente empenhada em lançar luz sobre estratagemas, perspicácias e a resiliência necessária a fim de resistir às intempéries, como as adversidades cotidianas e os impasses relativos ao financiamento. Nem a tática de garantir apoio por meio da apresentação  de trailers conceituais e, adiante, de trechos finalizados ganha atenção suficiente, porque, assim como todas as nuances, esta perde importância diante dessa mirada comprometida e superficial. É uma esforçada, às vezes eficiente, peça de propaganda.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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