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Sinopse
Em Código Preto, George Woodhouse e sua amada esposa Kathryn são agentes de inteligência com anos de experiência em espionagem. Quando ela é suspeita de trair a nação, George enfrenta a maior pressão de sua vida, encarando a dúvida entre manter a lealdade ao seu casamento ou ao seu país. Espionagem.
Crítica
Há cineastas que parecem destinados à grandeza. A julgar por seu longa-metragem de estreia, o excelente e premiado Sexo, Mentiras e Videotape (1989) – vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes –, o norte-americano Steven Soderbergh surgia como sério candidato a nome maiúsculo de sua geração nos Estados Unidos. Principalmente porque o cinema estadunidense dos anos 1980, em termos gerais, intensificou a produção voltada para adolescentes e jovens adultos, assim deixando histórias maduras à safra independente com menor visibilidade. No entanto, a euforia diante do debute de Soderbergh se repetiu de maneira apenas esporádica em seus cerca de 50 trabalhos seguintes. Cada novo filme dele é encarado como uma possibilidade de confirmação. Das duas uma: ou Soderbergh é realmente um realizador brilhante ou não passa de outro iniciante “sortudo”. Código Preto é mais uma trama de espionagem na agora vasta filmografia do artista que frequentemente alternou trabalhos comerciais e autorais, filmes enormes de estúdio e pequenos experimentos fadados a serem apreciados por meia dúzia de entusiastas menos teleguiados pelo mercado. Mergulhado no universo inconstante e perigoso da espionagem britânica, ele tem como protagonista George (Michael Fassbender), respeitado e implacável agente da inteligência inglesa casado com a sua colega Kathryn (Cate Blanchett).
Há um problema na operação da qual George e Kathryn fazem parte. Ao menos um dos integrantes mais próximos do casal traiu a entidade e provavelmente vendeu ao inimigo um artefato com potencial para destruição em massa. Portanto, o frio e calculista George precisa criar estratégias para descobrir quem poderia ter feito isso, sobretudo antes que o código-fonte chamado Severus caia nas mãos erradas – e, depois de provocar um devastador acidente nuclear, possa desestabilizar uma nação soberana. É criado um labirinto de mentiras e dissimulações para afastar o protagonista (e, por consequência, o espectador) da verdade. Inclusive porque há fortes suspeitas de que o espião vira-casaca da vez possa ser até Kathryn. Em meio a isso, Soderbergh chama frequentemente a nossa atenção à importância do aspecto matrimonial, especialmente ao o quão a relação entre George e Kathryn é incomum num contexto em que os vínculos amorosos normalmente se afogam num poço de mentiras. Antes de expor essa conspiração que precisa ser desvendada, o cineasta mostra George conversando furtivamente com um colega a respeito de lealdade e traição. Sempre em falas de duplo sentido, pois as palavras se aplicam simultaneamente aos parceiros de inteligência e aos seus respectivos relacionamentos pessoais. Portanto, podemos imaginar que toda essa tramoia não passa de um engenhoso álibi do diretor.
Em Código Preto, Severus é um MacGuffin – o dispositivo do enredo que serve como motivador. É na busca por ele que George passa a desconfiar dos amigos mais próximos; é tentando reaver esse código-fonte e com isso evitar uma catástrofe que George mergulha ainda mais fundo no lamaçal com o qual se achava devidamente acostumado. Michael Fassbender domina a cena como esse homem calculista cujo ponto fraco é somente a esposa, mais precisamente o amor sentido por essa mulher. Não há dúvidas de que se, no fim das contas, ela for a espiã a serviço do inimigo ele será capaz de também mudar de lado. Pena que Soderbergh não avance muito na exploração da personalidade desse sujeito, preferindo ressaltar o quanto ele é perito no que faz do que, por exemplo, elaborar melhor essa devoção pela esposa. Aliás, àqueles em busca de uma confirmação de o realizador é um gênio ou um engodo, é preciso dizer: nem tanto ao céu, nem tanto ao inferno. A condução da trama tem boas doses de sofisticação, seja na forma como os personagens são articulados ou na fotografia propositalmente estranha (assinada pelo próprio Soderbergh) que ora deixa as pessoas mergulhadas numa escuridão incomum, ora apresenta um excesso de luz. O efeito é o mesmo: cegar. Então, o longa-metragem às vezes é empolgante, já em outros instantes parece perdido, querendo abraçar tudo e não dando conta.
O roteiro de David Koepp traz para essa teia de mentiras outros dois casais. No entanto, eles servem apenas como leve variação dessa dinâmica de relacionamento inserida num contexto de espionagem. Código Preto é hesitante em momentos-chave, principalmente ao definir as suas prioridades e se decidir entre: 1) falar dessa conspiração internacional com uma pegada à lá James Bond; 2) abraçar de modo veemente esse universo excitante e perigoso estritamente como pano de fundo/moldura da discussão sobre os envolvimentos amorosos e sexuais. Outra ótima ideia que parece uma das missões incompletas na construção da narrativa é o retrato da agência de inteligência quase como uma empresa qualquer, a julgar pela aura de naturalidade nas entradas, nos interiores e nas saídas da sede. Não há passagens secretas ou mesmo portas falseadas nas paredes, como estamos acostumados em histórias de agentes secretos. Outra coisa interessante é o roteiro não explicar siglas e termos técnicos, pois a ênfase é suficiente. Parte-se da consciência da tradição do gênero que motiva a utilização de elementos clássicos, mas sem que essa autoconsciência vire o princípio narrativo. O resultado não é uma sátira e nem um pastiche. Assim, o produto final fica no meio do caminho entre ser tenso, metafórico, veículo para grandes intérpretes ou homenagem a um tipo de universo que Soderbergh conhece bem
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Não importa a história de espionagem! Não importa a intriga de espionagem, não importa os agentes secretos. O filme é todo sobre as performances dos atores: se Blanchett é muito boa, Fassbender é superlativo e todos os papéis coadjuvantes são esplêndidos. O elenco estelar (engraçado o suficiente com alguns de filmes anteriores de Bond) fez seu trabalho na íntegra. Diálogos espirituosos e uma fotografia muito elegante fazem o resto. Sim, também havia algum tipo de intriga de espionagem em algum lugar, mas isso era tão complicado quanto pouco original - com um final deprimente. Não importa isso, o filme ainda era agradável o suficiente para assistir; mas, desculpe-me, pode-se esperar mais de um filme de Soderbergh.