Clara Sola
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Nathalie Álvarez Mesén
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Clara Sola
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2021
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Suécia / Costa Rica / Bélgica / Alemanha / França / EUA
Crítica
Leitores
Sinopse
Clara é uma mulher retraída que mora num pequeno vilarejo interiorano da Costa Rica. Aos 40 anos, ela experimenta um despertar místico de sua sexualidade quando começa uma jornada para se libertar das repressões.
Crítica
Clara vive num mundo particular. Um que só ela conhece e, mais do que isso, somente ela tem acesso. É uma realidade que existe apenas dentro de si, composta por suas ideias, fantasias e imaginação, povoada por figuras que adquirem ares místicos, como cavalos e vagalumes – em sua absoluta maioria, mais interessantes e capazes de troca do que os homens e mulheres ao seu redor, sejam familiares, vizinhos ou meros passantes. No interior da Costa Rica, lugar que por onde tem transitado há quatro décadas, muitos poderiam achar que tais cenários rudimentares, de uma vida marcada por restrições e poucos prazeres, seriam o resumo de sua existência. Longe disso, no entanto. A visão dessa mulher vai mais longe, mais até do que a mãe, já idosa, poderia supor. Ou do que a sobrinha, que está recém se descobrindo, seria capaz de imaginar. Ela pode até ser Clara Sola, como somente na intimidade se permite conhecer. Mas, sozinha, está longe de ser ou, mesmo, estar.
No longa escrito e dirigido por Nathalie Álvarez Mesén, em sua estreia no formato após uma série de curtas, Clara, a protagonista, é vivida por Wendy Chinchilla Araya (premiada como Melhor Atriz pelo júri da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo), que entrega uma performance tão delicada quanto arrebatadora. Já nos seus quarenta anos, é vista como se ainda criança por todos que dela tomam conta, como uma filha de guarda compartilhada pelo vilarejo inteiro. Porém, por mais que seu comportamento reflita esse olhar que os demais tem a respeito de si, é fato também que há, nela, uma mulher madura esperando para se manifestar. O despertar, como se vê, por vezes pode ser tardio, mas não eclipsado a ponto de não mais se fazer presente. Clara entende aquela realidade que experimenta todos os dias além do plantar e colher, da oferta e procura. Seu interesse é profundo, e por isso mesmo, na maioria das vezes, não compreendido. Isso não significa, porém, que o mesmo inexista.
Mesén deposita a condução de sua história quase que por inteira sobre os ombros dessa mulher alheia às convenções e aos dizeres daqueles que nada sabem e, menos ainda, pouco entendem. Acompanhar, portanto, essa visão representa um processo tão rico quanto assustador, pois serve para confrontar o espectador com possibilidades distantes daquelas ditas como normais, mas não por isso, inexatas ou equivocadas. O falar com os animais, o toque em si própria, o querer por uma cor em detrimento de outra, são detalhes que, isolados, até podem não fazer sentido. Mas, quando vistos em conjunto, permitem a formação de um cenário amplo e complexo, como um quebra-cabeça que, por fim, ganha sentido. Eis Clara frente às possibilidades que, a ela, são corriqueiras, mas que aos outros podem soar tão improváveis, quanto ilusórias.
É curioso perceber que será através do sexo que Clara passará a discordar da denominação infantil conferida pelos demais e, enfim, se entender como adulta. Porém, sua conexão com o todo é mais intensa do que um entendimento passageiro permitiria, e os reflexos desta descoberta irão repercutir com força também nas estruturas conhecidas. Quando a possibilidade de correção de uma deficiência física é apresentada, a mesma é impedida pela velha e religiosa senhora que por toda a sua existência tomou para si a responsabilidade de cuidar daquela filha alheia aos julgamentos externos. Quando lhe é negado o vestido azul, também não é por mesquinharia da aniversariante, mas por uma lógica social que afirma que as madrinhas não podem se igualar à debutante, verdadeira estrela da festa. Dois momentos nos quais as vontades de Clara não são ouvidas, e a essas decisões termina por se sujeitar. Mas nem sempre será – ou mesmo conseguirá se manter – tão cordata.
“Deus me deu esta menina assim, e desse jeito ela irá permanecer”, de forma resoluta convence-se a mãe. Mas esse é um dizer do coletivo, dos que a cercam e assim a veem, por um viés limitado e redundante. Clara Sola é, portanto, um processo de expansão, de abertura e acolhimento, não do homem que não entende o sentimento que vê surgir em si e ao seu lado, mas da mulher que não mais se permite ser moça, ao mesmo tempo em que segue desprovida de malícia, agindo de acordo com os desejos mais básicos, sem barreiras ou restrições. E quando o que há muito vem sendo represado finalmente encontra os meios necessários para se fazer presente, nem mesmo a terra se manterá incólume ao que está por vir. Literalmente.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 8 |
Daniel Oliveira | 9 |
Chico Fireman | 6 |
Leonardo Ribeiro | 7 |
Lorenna Montenegro | 9 |
MÉDIA | 7.8 |
Filme delicado e sensível. Em muitas cenas me peguei emocionada. Maravilhoso!
Excelente. O filme mostra como as Crenças e as histórias de Cura arrebatam o ser humano. Ao ponto de isolar, causar dor e por amor se render ao Coletivo. Clara Sola faz parte do universo de muitas famílias, que levam a fé ao último ponto, sem racionalizar e tão pouco perceber o quanto causa de tristeza, solidão e exclusão do abnegado. O filme é escuro em muitas cenas. Mas a vida de Clara é o Escuro. E quando se sente feliz, as cenas são alegres, bonitas e brilham como os vaga-lumes.