Crítica

Talvez o mais famoso dos irmãos Wayans, Marlon se tornou conhecido de fato ao estrelar, ao lado de Shawn (os dois co-roteiristas) e Keenen Ivory (esse também assumindo a direção) a comédia besteirol Todo Mundo em Pânico (2000). Com quase US$ 300 milhões arrecadados ao redor do mundo – e mais quatro sequências, das quais só participaram da primeira – a impressão que ficou para o público é que a família estava decidida a investir nesse gênero dali em diante. E mesmo tendo um currículo que conta com atuações sob o comando de nomes como Darren Aronofsky e Joel & Ethan Coen, Marlon é, de todos, o que mais permaneceu ligado ao estilo. Por isso não é surpresa alguma vê-lo à frente desse Cinquenta Tons de Preto, título que o reúne mais uma vez com o diretor Michael Tiddes, o mesmo de Inatividade Paranormal (2013) e Inatividade Paranormal 2 (2014).

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Assim como o título é bastante explícito em sua referência ao soft porn Cinquenta Tons de Cinza (2015) – sucesso de bilheteria que arrecadou mais de US$ 571 milhões em todo o mundo – também a aposta do protagonista (e autor do roteiro, ao lado de Rick Alvarez, mais um dos seus parceiros recorrentes) não tem nenhuma sutileza ao eleger o seu alvo de deboche. A questão, no entanto, é: como fazer piada de algo que já é ruim por natureza? Afinal, por mais que a adaptação do livro de E. L. James tenha sido um fenômeno de público, ela também foi igualmente desprezada pela crítica – para se ter uma ideia, foi a produção campeã das Framboesas de Ouro 2016, ‘premiada’ como Pior Filme, Ator, Atriz, Dupla e Roteiro! E como, ao contrário de tantos outros títulos semelhantes, se opta por satirizar apenas um longa em específico, e não toda uma temática, as intenções se esgotam rapidamente, resultando em algo tão enfadonho e previsível quanto sua fonte.

Para se ter uma noção, a trama de Cinquenta Tons de Preto é exatamente idêntica a de Cinquenta Tons de Cinza. Em resumo, garota desajeitada vai entrevistar multimilionário, os dois se apaixonam, só que ele tem tendências sadomasoquistas, algo que ela vai descobrindo e aceitando até certo limite, ao ponto de, quando as vontades dele ultrapassam a tolerância dela, a suposta relação entre os dois acaba em risco. Tenta-se fazer alguma graça com algumas generalidades – como, por exemplo, pelo fato dele ser negro incorrer em estereótipos de raça, como assaltar velhinhas na rua e ser bem avantajado sexualmente. Nada, no entanto, que vá além de uma ou outra piada pontual, sem recorrência no enredo.

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Há exceções, no entanto. A boa forma de Marlon Wayans e sua notória disposição de debochar de si próprio acabam salvando momentos que poderiam ser mais constrangedores, como a passagem que evoca os strippers de Magic Mike (2012) ou quando faz referências extracampo, ao citar Kevin Hart, Dakota Johnson (estrela do original) e até mesmo a autora E. L. James – na piada mais involuntariamente sincera de toda a trama. No mais, tudo o que o astro consegue é reviver as mesmas passagens de sua fonte de riso, evidenciando o quão ridículas elas já eram na origem. Caso alguém não tenha percebido antes, talvez esse esforço seja válido. Mas se por um lado é difícil imaginar que um admirador do outro longa possa achar engraçado o que aqui é apenas revivido, por outro todo mundo que já havia desgostado deste argumento somente encontrará aqui mais motivos de desprezo. Afinal, rir de quem muito já apanhou pode até ter um viés sarcástico no início, mas logo deixa de ser risível para ser apenas triste.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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