Crítica

Production still from set of CHRISTINE, 2015

No dia 15 de julho de 1974, a jornalista norte-americana Christine Chubbuck cometeu suicídio ao vivo, durante o telejornal que apresentava numa pequena rede de TV da cidade de Sarasota, na Flórida. Seu ato extremo tornou-a famosa em todo o país e serviu de inspiração para Paddy Chayefsky escrever o roteiro de Rede de Intrigas (1976), de Sidney Lumet. Christine, cinebiografia de Chubbuck dirigida por Antonio Campos, não deixa de carregar pretensões semelhantes às do clássico de Lumet, ainda que seja um filme bem mais low profile e convencional.

Na verdade, interessa primordialmente a Campos e ao roteirista Craig Shilowitz decifrar essa mulher, compreender, até onde é possível, o que a levou ao suicídio. Nesse sentido, toda a discussão proposta em Rede de Intrigas sobre o sensacionalismo na televisão tem algum peso em Christine, já que a protagonista (interpretada por Rebecca Hall) trabalha num canal sob pressão para conseguir matérias de maior apelo ao grande público, inclusive recorrendo à violência se necessário.

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No entanto, é mesmo no perfil psicológico de Chubbuck que o filme está focado e, nesse sentido, Campos e Hall são muito eficientes em tornar a personagem uma figura próxima do espectador, com a qual esse se preocupa sobretudo pela fragilidade emocional que ela carrega. Hall, aliás, está excelente, compondo a protagonista como uma mulher ao mesmo tempo adorável e perturbada, frágil, mas com forte presença em cena. Tudo em Christine gira em torno da atriz e a força de seu desempenho é fundamental para o êxito do filme.

Competente no que se propõe a ser – uma cinebiografia tradicional construída sobre o perfil psicológico de uma personagem aparentemente comum, que se torna extraordinária ao cometer um ato extremo –, Christine é marcado ainda pela decisão de seu diretor de reencenar, ao final, o suicídio da protagonista. É possível questionar eticamente essa decisão, mas, tendo sido tomada, a maneira como a cena surge no filme parece mesmo adequada: repentina, brutal e mediada pelo monitor de uma TV, o que funciona como um derradeiro comentário de Campos sobre o sensacionalismo no telejornalismo.

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Ao ter sua morte exibida num aparelho de televisão dentro do filme, Christine Chubbuck, personagem de cinema, se aproxima do inesquecível Howard Beale (Peter Finch) de Rede de Intrigas. Ao mesmo tempo, essas duas figuras se afastam por meio da decisão – essa sim profundamente ética – do diretor de Christine de não mostrar nenhuma reprise do ocorrido, algo totalmente diverso do feito por Lumet, que encerrava seu filme com incontáveis repetições do assassinato televisionado de Beale – o que é totalmente coerente com a proposta satírica daquele seu trabalho.

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é um historiador que fez do cinema seu maior prazer, estudando temas ligados à Sétima Arte na graduação, no mestrado e no doutorado. Brinca de escrever sobre filmes na internet desde 2003, mantendo seu atual blog, o Crônicas Cinéfilas, desde 2008. Reza, todos os dias, para seus dois deuses: Billy Wilder e Alfred Hitchcock.
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