Crítica


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Sinopse

Através de imagens coletadas por câmeras escondidas, o dia a dia de três mulheres com vidas distintas é retratado, mostrando como a violência de gênero é constantemente praticada no espaço público urbano. Dessa forma, as diretoras Amanda Kamanchek Lemos e Fernanda Frazão procuraram especialistas para discutir sobre o assunto, buscando encontrar respostas e alternativas para a uma questão fundamental: será que as cidades foram feitas para as mulheres?

Crítica

Em 2017, um homem ejaculou numa passageira em pleno ônibus, na cidade de São Paulo. Foi liberado após o juiz considerar inexistente a violência flagrante. Para o magistrado, houve "apenas" constrangimento. O documentário Chega de Fiu Fiu não somente aponta esse tipo de absurdo, como tenta entender as estruturas de comportamentos que atingem cotidianamente o âmbito feminino Brasil afora. Para isso, é imprescindível a polifonia, o acesso a depoimentos vindos de diversas fontes. Além de lançar mão de manchetes jornalísticas, de entremear testemunhos pessoais e falas de especialistas em gênero e políticas estatais, as cineastas Amanda Kamanchek e Fernanda Frazão conversam de perto com três mulheres, cujas vivências múltiplas ajudam a construir um painel plural. Rosa Luz, transexual moradora do Distrito Federal; Raquel Carvalho, homossexual negra que reside em Salvador; e a professora de história, branca e heterossexual, Teresa Chaves. A variedade importa muito para o resultado.

 

Chega de Fiu Fiu não se restringe a denúncias, já que certos expedientes denotam a vontade, equivalente, de compreensão profunda, inclusive das ocorrências infelizmente banalizadas, como as famigeradas gracinhas masculinas nas ruas. Um deles é a formação do círculo de discussão entre homens, no qual há debate acerca das filigranas de concepções arraigadas, propiciadas pela cultura social do falocentrismo. A constatação de que vários participantes acreditam no desejo delas do "elogio", considerado-o flerte sem consequências nefastas, deflagra uma ótica infelizmente bastante comum. As realizadoras entrecruzam os vieses com competência, promovendo um entendimento das questões propostas, ainda que algumas delas careçam de desenvolvimento e aprofundamento. Por exemplo, a ótima reflexão relativa a espaços públicos urbanos que, exatamente em virtude de sua relevância, chama a atenção, poderia inclusive nortear o filme, como chega a se ensaiar.

Todavia, é competente a urdidura dos temas colocados em jogo. Amanda Kamanchek e Fernanda Frazão conseguem, num exercício potente de concisão, determinar pontualidades, como a precariedade do cumprimento das leis que amparam vítimas de assédio sexual, bem como a necessidade de uma mudança globalizada de mentalidade. Há bom equilíbrio entre Rosa, Raquel e Teresa, cujas perspectivas imbricadas fornecem chaves para a compreensão das dificuldades diárias pelas quais mulheres passam. Rosa traz à baila a questão transexual, contribuindo ativamente com os problemas enfrentados a partir do momento em que assumiu sua identidade de gênero. Raquel fala de um lugar diferente, o da inconformada com padrões de beleza, que reivindica a exposição de seu corpo sem possíveis ameaças de vilipêndio ao mesmo. Já Teresa, moradora de uma metrópole, pondera sobre constrangimentos sofridos ao transitar de bicicleta por São Paulo.

Outro componente expressivo em Chega de Fiu Fiu é a utilização de câmeras escondidas que registram práticas abusivas de homens nas ruas. Quando confrontados, eles ora se fazem de desentendidos, ora caçoam de uma indignação que não deveria ser isolada. Amanda Kamanchek e Fernanda Frazão batem na tecla do pavor sentido por mulheres no trânsito por determinados lugares, desnudando uma dinâmica que não afeta na mesma medida os homens. Embora, em momentos precisos, se aproxime demasiadamente da estrutura puramente jornalística, especialmente ao revelar as acusações, o longa-metragem tem personalidade e pungência suficiente para sobressair como instrumento de conscientização, justamente pela maneira como articula suas demais dimensões, criando um percurso cinematográfico instigante, que consegue consolidar as mensagens pretendidas, instilando ocasionalmente poesia nessa observação da dureza que é viver constantemente com medo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
7
Filipe Pereira
7
MÉDIA
7

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