Sinopse
Crítica
Benicio Del Toro é co-roteirista, produtor e protagonista de Camaleões, um daqueles filmes que comumente chamamos de “veículo para um astro brilhar”. Afinal de contas, seu personagem é o típico (e clássico) policial torturado que confronta conspirações obscuras reveladas à medida que avançam as investigações sobre o assassinato de uma jovem. Tom (Del Toro) é herdeiro da tradição do cinema noir, aquele filão povoado justamente por detetives moralmente ambíguos, não raro marcados por um passado controverso, e que se apresentam como os últimos pilares da verdade e da justiça numa comunidade corrompida pela ganância. Um dos indícios dessa filiação é a menção pontual a um problema com seu antigo parceiro, homem de distintivo que ultrapassou os limites da legalidade e com isso deixou uma marca em Tom (não se sabe a sua responsabilidade no caso). No entanto, o mais interessante sobre o personagem é a construção minuciosa de sua personalidade, algo perceptível nas ações e nem tanto naquilo que falam sobre ele. Por exemplo, a violência contida é perceptível na conversa com o empreiteiro de quem desconfia como possível amante de sua amada esposa. Já sua obsessão (e certa indiferença) se manifesta por meio do fascínio pela torneira de uma cozinha. Quem, em sã consciência, ficaria empolgado com um artefato doméstico em meio à investigação sobre os eventos do homicídio?
Portanto, a personalidade e o modus operandi de Tom aparecem nessas pequenas ações e gestos aparentemente descolados da investigação. A proposta é observar como ele age em demandas cotidianas para saber de que maneira procederá no trato com bandidos, conspiradores e afins. A relação com a esposa, Judy (Alicia Silverstone), é de muita cumplicidade, mas o cineasta estreante Grant Singer faz questão de sempre manter entre eles uma espécie de leve tensão – será que o provável adultério em curso não é uma novidade, mas a reincidência que alimenta exatamente essa membrana de estranhamento numa relação aparentemente sem arestas? O mais instigante em Camaleões é essa disposição por deixar pontas soltas pelo caminho e habilmente seduzir o espectador para ele sentir que está investigando os bastidores de tudo aquilo por conta própria. Às vezes isso se manifesta nas pequenas sugestões associativas (a maioria delas enganosa), como na insistência em falar no corte visível na mão de Tom logo depois que é encontrado um cadáver brutalmente esfaqueado. É como se o diretor estivesse cultivando uma colônia de pulgas para colocar atrás de nossas orelhas, nisso sendo bem-sucedido, especialmente nos dois primeiros terços do longa-metragem. Atendendo a um clichê desses filmes, todos são suspeitos e há a tendência de que o assassinato seja apenas o começo.
Quando uma mulher é assassinada, as suspeitas iniciais tendem a recair sobre seus namorados, maridos e/ou amantes – reflexo do panorama do feminicídio real, muitas vezes ocasionado por cônjuges agressivos que não superam gestos de autonomia feminina. Portanto, é natural que as nossas atenções (e as de Tom) sejam direcionadas inicialmente à figura estranha de Will (Justin Timberlake), o namorado corretor de imóveis que parece realmente chocado diante do cadáver da vítima. O diretor Grant Singer lida relativamente bem com os arquétipos dos filmes policiais/investigativos, regularmente deslocando a nossa desconfiança para os colegas de Tom, à própria Judy, talvez escrachando demais ao desenhar um desafeto de Will – Michael Pitt está tão tipificado como “alguém que teria motivos para se vingar do sujeito” que, das duas uma: é um homicida dos mais óbvios ou seu jeitão exagerado de culpado serve para dizer à plateia que as aparências geralmente enganam. Um pouco mais de sutileza e nuances na elaboração desse coadjuvante provavelmente permitiria que ele fosse além de ser outra distração espalhafatosa. De todo modo, Grant Singer segue costurando bem os personagens e deixando certas pontas propositalmente soltas para aumentar a confusão acerca de culpados e/ou inocentes. No entanto, infelizmente ele não segura essa onda no terço final, apresentando um clímax banal.
Todo esse esmero visível nos dois primeiros terços de Camaleões, responsável por criar uma atmosfera instigante de indefinição, é diluído nos preparativos para o encerramento. Chegado o momento das verdades, o roteiro assinado a seis mãos por Grant Singer, Benjamin Brewer e Benicio Del Toro aposta demasiadamente nos diálogos expositivos para desatar os nós elaborados bem anteriormente a fim de manter acessas as chamas da dúvida. Além disso, alguns personagens que pareciam muito interessantes se “perdem” nessa parte derradeira do filme, como Will e sua mãe maquiavélica (vivida pela ótima Frances Fisher) – aliás, essa relação complexa entre mãe e filho poderia ser mais bem desenvolvida em meio aos meandros da investigação do que teria levado alguém a assassinar a mulher brutalmente a facadas. Benicio Del Toro continua sustentando bem essa aura de detetive noir contemporâneo – homem que vai de jaqueta preta e óculos escuros até mesmo para uma comemoração com motivos havaianos, ou seja, destoando dos demais trajados de modo hipercolorido. E o filme realmente perde pontos porque apara demais as arestas, revela desnecessariamente alguns elementos que se ainda incógnitos poderiam fazer a história continuar ressoando a tensão mesmo depois de acabada. Pena que se opte por algo mais convencional para arrematar essa trama interessante.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 6 |
Miguel Barbieri | 7 |
Leonardo Ribeiro | 6 |
Isabel Wittmann | 5 |
MÉDIA | 6 |
Eu amei o filme