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Sinopse

Um verdadeiro sucesso da era dos smartphones teve uma ascensão meteórica e um desaparecimento fatal.

Crítica

Esta história não é nova. Provavelmente você já a viu antes. E foi melhor da primeira vez. Mesmo assim, há uma curiosidade quase mórbida quanto a este tipo de jornada, a respeito de quem saiu do quase zero e se tornou rei do mundo – mesmo que só por alguns instantes (ou mesmo anos) – e acabou colocando tudo a perder. O caso da vez, como o título já adianta, é sobre o cara que inventou o... blackberry! Muita gente talvez não se lembre (principalmente os mais novos), mas, no início dos anos 2000 esse foi o assim chamado “primeiro smartphone”, ou seja, o aparelho que se aventurou a combinar internet e computador com telefone, tudo isso na palma da mão. Tratou-se, portanto, de um projeto pioneiro, e, realmente, por algum breve intervalo se tornou uma febre entre o pessoal da tecnologia mais abastado ou simplesmente antenado com as novidades da informática. Mas, assim como subiu, tão rápido desceu, e hoje quase ninguém se recorda desse fenômeno menor. Quer dizer, “quase” é, de fato, o termo da vez. Matt Johnson, diretor, ator e roteirista desse projeto, pelo jeito, tem bem vívida em sua memória a tal trajetória. A ponto de resgatá-la em BlackBerry, filme que, se por um lado, não emociona ou envolve como se poderia esperar – afinal, todo mundo já sabe como irá terminar – também se mostra deslocado no tempo, após tantas obras similares terem despontado no último ano, deixando essa que chega por um com um indefectível aspecto de déjà vú.

Matt Johnson, mais conhecido até então por seu longa anterior, Operação Avalanche (2016), se juntou a Matthew Miller, com quem vem trabalhando há um bom tempo, e decidiu adaptar o livro de Jacquie McNish, que foi correspondente do jornal The New York Times no Canadá. Pois foi nesse país que ela pode acompanhar de perto o caminho empreendido por Mike Lazaridis. O resultado se chama Losing the Signal: The Untold Story Behind the Extraordinary Rise and Spectacular Fall of BlackBerry (algo como Perdendo o Sinal: A Não Contada História por trás da Extraordinária Ascensão e a Espetacular Queda do BlackBerry). E o trajeto por ele percorrido não é muito diferente de outros tão parecidos levados às telas recentemente, como o do criador da WeWork (WeCrashed, 2022) ou da Uber (Super Pumped, 2022). As semelhanças, como rapidamente se percebe, são inúmeras: um nerd mais preocupado com os números ou com sua invenção em particular do que com as outras pessoas acaba, de um jeito ou de outro, convencendo um empresário ambicioso a investir no potencial de sua criação. Juntos, eles alcançam patamares nunca antes imaginados, transformado as suas vidas. Porém, quanto mais alto se vai, maior será a queda. Despreparados para lidar com as mudanças do mercado ou em alterar seus próprios comportamentos, quando menos esperarem serão pegos de surpresa, e tudo aquilo que imaginavam possuir irá se evaporar na questão de segundos.

No filme É o Fim (2013), co-dirigido e estrelado por Seth Rogen e vários dos seus amigos da época, como James Franco e Jonah Hill, tem sua trama iniciada quando se reúnem para receber um amigo que vem do Canadá e se torna motivo de piada (por causa de sua origem) pelo resto de todo o enredo: ninguém menos do que Jay Baruchel. Então, assim como Ryan Reynolds ou Celine Dion, o ator ficou marcado como um dos expoentes do cenário pop canadense. Um tanto afastado de Hollywood – seu último trabalho de nota por lá foi como dublador do protagonista da saga Como Treinar o seu Dragão – ele reaparece agora como o próprio Lazaridis, mas com uma aparência diferente: ombros curvados, jeito reticente, olhos indecisos. E, para piorar, uma evidente peruca grisalha. Se era para transmitir uma aparência mais madura, falhou. Se mostra como o mesmo garoto de sempre, apenas fingindo ser outro alguém – seu pai, talvez? Tão falso quanto se mostra também Glenn Howerton (A Caçada, 2020), que improvisa uma careca por demais artificial para exibir determinação e garra no controle do novo negócio. Tudo o que consegue, porém, é se mostrar grosseiro e incompetente em tomadas de posição ao estilo “vamos ver quem grita mais”.

Lazaridis é quem tem a ideia do tal “telefone inteligente”. Ao seu lado estão um bando de idiotas sociais – mas gênios em cálculos e fórmulas – e, entre esses, Doug (Johnson, quem mais?), seu melhor amigo. Jim Balsillie (Howerton) é o tubarão do mercado financeiro que enxerga neles uma oportunidade de mudança, e investe o que tem – e, para piorar, até o que não tem – no sucesso da proposta deles. Não há muita confiança ou mesmo negociação entre as duas pontas dessa corda – por mais que, em certo momento, os dois homens façam um “pacto de honestidade” com a promessa de “nunca mentirem um para o outro” (algo que não deve durar nem dez minutos). O certo, no entanto, é que, quando cada um puxa para um lado, o inevitável é que ela acabará se partindo mais cedo ou mais tarde. Ainda mais quase uma nova tecnologia está prestes a surgir no horizonte acabando de vez com todas as aspirações da empresa. Alguém aí falou em Apple e os seus iPhones? Pois bem, se tão seguro quando um mais um são dois, também é garantido que não apenas a iniciativa deles encontrará seu fim, como se verão envolvidos com imensas complicações profissionais, motivando até mesmo uma investigação federal por causa das suas práticas não muito corriqueiras de negócios.

Seria pertinente, ao menos, se Johnson e Miller, os roteiristas, conseguissem propor algum tipo de suspense ou incerteza no desenrolar dos acontecimentos de BlackBerry. Isso, infelizmente, em nenhum momento chega sequer a ameaçar algum tipo de protagonismo. Tudo é por demais estereotipado – os funcionários, mesmo quando as vendas estão indo muito além do esperado, se mostram mais interessados na “noite de cinema” do que em desenvolver novos e avançados modelos – e a única certeza que o conjunto permite transparecer é que nada daquilo dará certo, pois concorrentes muito mais preparados estão vindo com tudo para cima deles. Enfim, é só uma questão de tempo. Tanto para eles, na vida real, que tiveram uma ideia brilhante, mas não souberam como mantê-la relevante por mais tempo do que um suspiro. Para os envolvidos com a ficção, que deixam evidente não saber onde parar e se estendem em discussões circulares que mais cansam do que sugerem novas posições. E, por fim, também para o espectador, que após se dar conta do quão redundante e desprovido de interesse todo esse conjunto é, se verá contanto os minutos até que tudo o termine. Porém, ao contrário dos demais, esse fim virá muito depois do desejado (são mais de duas horas de projeção, acredite se quiser).
Filme visto durante o 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha, em fevereiro de 2023

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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