Crítica


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Sinopse

Após o assassinato de Damilola Taylor, a família de Cornelius saiu de Londres. Mas quando descobrem que sua nova cidade é dirigida por racistas, Cornelius dá um passo drástico para sobreviver.

Crítica

Mesclando relatos crus, praticamente em close up, do protagonista que verbaliza parte significativa de sua vida, com dramatizações sensíveis e contundentes que simulam tais acontecidos, Black Sheep é um retrato dos duros efeitos da intolerância. Na infância, Cornelius é afetado diretamente pelo assassinato brutal do desconhecido menino nigeriano Damilola Taylor. Assustada em virtude do crime motivado por discriminação racial, a família do protagonista se muda da cosmopolita e potencialmente perigosa Londres para o afastado e supostamente pacato condado de Essex. Lá, rapidamente surge uma realidade não menos aterradora, na qual o racismo está presente em cada trajeto, na agressividade dos meninos brancos que chamam outrem de macaco e espancam sem motivo aparente. Acuado, o forasteiro resolve sobreviver a esse entorno hostil. Com a voz embargada, o homem relembra que foi necessário adaptar-se para ser aceito e não perecer.

Black Sheep utiliza com habilidade o diálogo entre a fala pesarosa de Cornelius e a sua projeção ficcional, vivida por Kai Francis Lewis. O semblante atravessado por arrependimentos e constatações da tomada de caminhos errados, pertencentes puramente à esfera documental, ganham ecos na interpretação do ator que resgata as equivalências da meninice turbulenta. O adulto olha para trás e percebe o quanto precisava desesperadamente de aceitação para seguir existindo numa comunidade abertamente racista. Mais que isso, pois seus olhos marejam ao constatar a sentida falta do amor e amparo paternos. O jovem empresta seu rosto negro, embranquecido artificialmente, para representar as atitudes que interligam passado e presente. Os depoimentos do sujeito são emotivos, carregados de pesos variados, mas visualmente límpidos, com fundo preto e foco absoluto na expressividade do rosto próximo.

É gradativamente doloroso acompanhar a reprodução da violência a que Cornelius se submete para encaixar-se no grupo anteriormente algoz. Ed Perkins demonstra a escalada de selvageria que culmina com o protagonista aderindo a comportamentos torpes apenas para não destoar da paisagem humana que aponta ao desprezo dos moradores por estrangeiros ou qualquer pessoa que não seja exatamente de suas etnias. No escrutínio do percurso percebe-se uma espiral de crueldade racial tão entranhada quanto incentivada. Os pais se mudam para evitar que os filhos negros padeçam numa metrópole diariamente açoitada por histórias de segregação, mas não encontram cenário menos adverso no interior. A voz do depoente embarga, sobremaneira, no instante em que ele menciona o pai, a mistura de sentimentos que sobreveio a esse processo, absolutamente aviltante, de negar sua ascendência e origem para viver.

O saldo de Black Sheep é a certificação de uma marginalização estrutural, fomentada desde cedo. Jovens brancos, orgulhosos da falaciosa pureza de seu sangue inglês, não se fazem de rogados e agridem todos que diverge de seu padrão. Cornelius, por sua vez, aceita pagar o preço salgado de paulatinamente passar-se por eles com o intuito de misturar-se e, assim, evitar ser entendido como alguém malsoante aos olhos dos novos amigos. A diferença entre o menino que empenha tanta coisa importante e o adulto que olha para trás com remorso e angústia é exatamente a compreensão, capturada com sensibilidade pelo realizador, de que adequar-se de tal maneira nada mais é que autoimolação. A dramaticidade prevalente está impregnada na tessitura propiciada pela união entre testemunhos e reproduções, estas levadas a cabo menos com intuito meramente ilustrativo, mais para estabelecer uma válida conexão entre o outrora e o hoje, ambos tristes.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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