Crítica

Quando de sua histórica vitória na eleição presidencial de 2008, Barack Obama se tornou imediato objeto de interesse para o cinema: logo em seguida foi lançado o bom documentário Escolhido pelo Povo: A Eleição de Barack Obama (2009), da HBO, e durante muito tempo se cogitou a realização de uma grande cinebiografia do primeiro presidente negro dos Estados Unidos, protagonizada possivelmente por Will Smith. Mas os percalços de governar a maior potência global e a natural frustração com a acomodação da novidade aos meandros do poder parecem ter esfriado o encanto cinematográfico desse personagem, que é recuperado agora, num contexto de ascensão conservadora e do fim de seu período presidencial. Ao lado de Michelle e Obama (2016), Barry, de Vikram Gandhi, é resultado direto dessa recuperação.

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Curiosamente, os dois filmes se passam na juventude de Obama, acompanhando o nascimento político de um homem ainda muito distante de qualquer carreira nessa área. Enquanto Michelle e Obama segue Barack e sua futura esposa em seu primeiro encontro romântico, em 1989, adotando uma estrutura que lembra a trilogia Jesse & Celine, Barry retorna ainda mais no tempo, ao início da vida universitária do futuro presidente (interpretado por Devon Terrell), em 1981. De certa forma, ambos buscam encontrar nos momentos escolhidos a gênese de um grande líder, o que inevitavelmente remete ao clássico A Mocidade de Lincoln (1939), de John Ford, que fez algo semelhante com Abraham Lincoln.

No entanto, há aqui um esforço maior por ressaltar o aspecto de homem comum de Obama, evitando a construção de imagens grandiosas associadas a sua figura – nada que se assemelhe, portanto, ao plano final de A Mocidade de Lincoln, com Henry Fonda já trajando o emblemático fraque com cartola de Lincoln, filmado por Ford em contra-plongée diante de uma tempestade que parece se aproximar. Barry é especialmente empenhado nesse sentido, evitando, até os momentos finais de sua narrativa, qualquer referência mesmo ao pré-nome, hoje muito conhecido, de Obama – Michelle e Obama, pelo contrário, já lança logo de cara um comentário sobre o estranhamento com o nome “pouco americano” de seu protagonista (“Barack what?”, pergunta o pai de Michelle).

É interessante notar que essa escolha de Gandhi faz bastante sentido em Barry, considerando a importância dada à relação entre o jovem Barack, ou Barry, e seu pai ausente. Durante todo o filme, Obama experimenta uma crise de identidade, por, como filho de um relacionamento inter-racial, não conseguir se considerar (ou ser considerado por outros) totalmente negro. Daí o peso dramático representado pelo auto-reconhecimento de seu nome queniano, nacionalidade do pai, nos momentos finais da narrativa: é quando o personagem enfim abraça por completo suas raízes africanas.

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Apesar de parecer um pouco com o piloto de uma série que não ganhará um segundo episódio, Barry é um filme eficiente na condução da discussão que propõe, conseguindo dar densidade aos dilemas do jovem Obama e, ao mesmo tempo, funcionando como um bom filme sobre o ambiente universitário norte-americano. No fim das contas, acaba sendo também um prólogo de Michelle e Obama. Vistos em sequência, os dois passam a sensação de ser perfeitamente possível que, antes do homem quase formado, na beira dos 30 anos e capaz de inspirar os que o cercam presente nesse último, tenha existido o jovem confuso e angustiado de Barry.

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é um historiador que fez do cinema seu maior prazer, estudando temas ligados à Sétima Arte na graduação, no mestrado e no doutorado. Brinca de escrever sobre filmes na internet desde 2003, mantendo seu atual blog, o Crônicas Cinéfilas, desde 2008. Reza, todos os dias, para seus dois deuses: Billy Wilder e Alfred Hitchcock.
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