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Sinopse

Banel & Adama tem como protagonistas um jovem casal que vive em uma aldeia remota no norte do Senegal. Para eles, nada mais importa. No entanto, seu amor eterno e perfeito entra em rota de colisão com os costumes da comunidade. Neste mundo não há espaço para a paixão, muito menos para o caos. Selecionado para a mostra competitiva oficial do Festival de Cannes 2023.

Crítica

Banel e Adama foram feitos um para o outro. Ou assim eles pensam. E acreditam. Com mais força do que todos aqueles ao redor. Afinal, não se encontram uma grande cidade, um centro cosmopolita ou ao menos minimamente focado no pessoal, no indivíduo e em suas vontades. Os dois estão no interior de Senegal, em uma comunidade coletiva, e como tal, as vontades do grupo devem se sobressair frente ao todo. É o conjunto que importa. E esse propõe algumas verdades. Realidade essa que Adama pode até se opor, mas somente até certo ponto. Ele não é como Banel, que se mostra disposta a enfrentar tudo e todos em nome desse amor. Um sentimento tão avassalador que pode levá-la a se indispor com qualquer um que se colocar no seu caminho. É a mulher, portanto, a força-motriz do desejo. Banel & Adama, não por acaso, guarda em seu nome semelhanças ao bíblico Adão e Eva. Da mesma forma, ela se revela mais interessante do que ele. Estará em sua originalidade, no entanto, também sua danação. Ao perseguir essa ideia, o filme de Ramata-Toulaye Sy encontra seu mérito, mas também seu ocaso.

Os problemas começam quando Adama é chamado a assumir sua missão. E essa já diz respeito ao todo: é ele quem deverá ser o próximo líder do vilarejo. Mesmo tão jovem, nem mesmo chegado aos 20 anos, a responsabilidade de uma vida surge ao seu encalço. Mas Banel não quer saber. O que anseia é pela vida de casal, longe das cobranças, das fofocas, da inveja das que se casam por conveniência, por obrigação e contra suas vontades. Ela escolheu Adama, assim como ele a elegeu como sua mulher. Enquanto isso, as pressões irão continuar. Outra delas afirma que, se a esposa não der filhos, o marido tem direito a uma segunda companheira. Ou até mesmo uma terceira. É um mundo dos homens. E elas estão acostumadas a isso, se sujeitam às vontades deles sem nem mais questionar ou mesmo propor outros caminhos. Quer dizer, todas não. Algumas se rebelam. Como Banel.

A força dessa mulher é capaz de mover montanhas – literalmente. Pois é justamente isso que a instiga a seguir apaixonada, mesmo com todo o calor, com todo o desânimo, sem apoio, nem mesmo uma voz de suporte. A sogra lhe acha estranha. A mãe não a compreende. Até o irmão, que sempre esteve ao seu lado, lhe propõe outras reflexões. Não seria o momento de capitular? De rever posições? De baixar guarda, de olhar para os mais velhos, e não apenas para a direção na qual bate seu coração? Mas Banel grita quase como num último ato para se mostrar viva. Até mesmo depois de Adama se entregar ao que os outros dele exigem, deixando-se conduzir por convenções e movimentos de outrora, ela seguirá firme em seu propósito. As casas debaixo de toda aquela areia um dia voltarão a ser ocupadas. E ela estará lá. Realizada.

Toulaye Sy, além de diretora, assina também o roteiro de Banel & Adama. E ela é a primeira a afirmar que, se o filme tem no título o casal, a história é mesmo da personagem feminina, aquela que dá o exemplo e se mostra pronta tanto para a felicidade que sonha para si e para o amor que tanto se esforça em preservar, como para abrir mão de tudo que possui – o mínimo que pode chamar de seu – caso o que tanto almeja não se concretize. A tempestade que se aproxima é tão real quanto ilusória, pois reflexo de uma mente já dominada por uma vontade maior do que aquilo que um só poderia dar conta. A realizadora, assim, parte do mínimo para ilustrar um cenário mais abrangente, discutindo feminismo e sociedade por meio de um microscópio absolutamente particular, mas capaz de englobar um universo de emoções e consequências.

Selecionado para a mostra competitiva principal do Festival de Cannes, eis um filme que não se mostra preparado para um jogo convencional de encontros e concessões, como se as diretrizes pelas quais muitos dos outros se guiam a ele não fizesse sentido. Banel & Adama apela ao pictórico e ao estético para falar de provocações internas, que apenas na sombra de uma tristeza muito profunda talvez encontre espaço para se mostrarem válidas. Longe de se confirmar de fácil acesso, eis uma jornada tão ária quanto a da protagonista, afeita apenas ao seu querer, sem se importar com o que pensam aqueles que a observam, independente de qual lado da tela estes estejam. Eis, portanto, um caminho tortuoso, por vezes de escasso retorno, mas que ao abraçar o impossível, atravessa a possibilidade do sonho e se mostra disposto a voar. Tal qual o pássaro atingido pela funda, que tanto quer fugir, mas não já possui como.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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