Crítica


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Sinopse

Um adolescente traumatizado desfruta de seus últimos dias na cidade antes de se mudar para o interior. Contudo, a solitária comemoração de seu 18° aniversário assume um rumo inesperado quando vai a um show e conhece uma rebelde e apaixonante jovem que o convida a passar o resto da noite em seu apartamento.

Crítica

Na noite em que completa 18 anos, Theo (Anthony Therrien) conhece Mag (Rose-Marie Perreault), ocasionalmente, na fila para pegar bebidas após um show de rock. Ela se aproxima falando da tatuagem temporária dele, ou seja, de uma marca removível que não o acompanhará a vida inteira. Paulatinamente, o cineasta Pascal Plante vai deixando às vezes aparente, noutras subentendido o fato do protagonista de As Falsas Tatuagens possuir nódoas do passado que, ao contrário do desenho apagável facilmente com água e sabão, são praticamente indeléveis. Todavia, o foco do longa-metragem não é necessariamente a investigação acerca disso, mas o envolvimento amoroso que gradativamente vai reduzindo o tamanho dos muros simbólicos que isolam quem está deixando para trás a adolescência a fim de adentrar na vida adulta, com todas as dores e as delícias que isso representa. Há uma construção narrativa sensível e bonita dessa árdua e confusa transição.

Anthony Therrien transparece em seu semblante retesado as ressalvas que certo episódio lhe deixou como herança permanente. Esse comportamento condicionado pela dor é tratado com leveza pelo realizador que demonstra o encantamento do jovem de bigode ralo pela luminosidade da personagem de Rose-Marie Perreault, um verdadeiro bálsamo. Todavia, mesmo diante da ternura prevalente nessa relação, a melancolia acaba se impondo nas entrelinhas como elemento determinante, especialmente por conta da fugacidade da felicidade, condição anunciada quando Theo anuncia a mudança para outra cidade em pouco menos de 20 dias. A partir desse prazo de validade, novamente As Falsas Tatuagens lida com algo irremediavelmente perene, bem como os desenhos feitos a caneta no braço, mas que, ao contrário destes, possivelmente deixará fortes rastros. A trama se desenvolve sem alardes, instilando aos poucos os componentes que contextualizam o romance e seus resíduos benéficos.

As Falsas Tatuagens segura por dois terços a informação sobre o que angustia Theo. Ao lançar mão desse dado imprescindível para a melhor compreensão da personalidade hesitante e casmurra do garoto em vias de se tornar homem, Pascal Plante tampouco deixa de lado a delicadeza, tratando de não ser didático. Ele oferece apenas o básico para o espectador imaginar a conjuntura, tão grave que não interfere na decisão de mudança mencionado, mesmo que haja claro encantamento por Mag. Pistas como a irritabilidade descabida diante do descuido momentâneo da primogênita com a irmãzinha que desejava desenhar no chão da rua são indícios habilmente trabalhados para confirmar que há coisas espinhosas no horizonte. Porém, não é exatamente a dúvida, ou mesmo a curiosidade quanto ao pano de fundo, que impulsiona o longa-metragem, mas a graça de um vínculo repleto de frescor e intensidade, capaz de retrair inseguranças e permitir respiros em meio à agonia.

Pascal Plante cria com As Falsas Tatuagens um filme simples, calcado na fricção entre a tristeza fomentada outrora por uma tragédia e o júbilo propiciado por um amor apresentado na telona sem idealizações excessivas. Embora seja coadjuvante, pois basilar é a jornada de Theo entre duas posições distintas de sua vivência, Mag não é diminuída ao ponto de se tornar um componente periférico. Se trata de uma personagem forte que permite o surgimento de contrapontos expressivos, alguns deles responsáveis por fazer, ainda que circunstancialmente, o protagonista sorrir outra vez. A direção privilegia as filigranas, evitando demarcações peremptórias, intentando, com sucesso no mais das vezes, perscrutar as fachadas em busca da essência das pessoas em cena. Ainda que não desenvolva a contento um par de instâncias, vide a parca dinâmica com colegas e amigos de idade próxima, o conjunto é equilibrado e sensível o suficiente para ser relevante e belo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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