Crítica

Depois de escrever a trama de várias novelas de televisão, de um curta e até de um longa de ficção (Muertos de Amor, 2013), o roteirista Juan Ramón Ruiz de Somavía decidiu apostar num projeto de animação. Assim surgiu As Aventuras de Ozzy, um filme tão amador que a única explicação para os prêmios conquistados em sua terra natal – trata-se de uma produção espanhola – só pode ser resultado de uma falta evidente de concorrentes. Tanto que, ao ser escolhido como Melhor Longa de Animação pelo Prêmio Gaudí (voltado ao cinema catalão), recebeu o troféu por indicação, tendo sido o único candidato do ano. Somente em um cenário como esse, portanto, algo tão simplório e desprovido de maiores atrativos poderia, enfim, se destacar.

Agora, é constrangedor constatar que As Aventuras de Ozzy também foi eleito o melhor nesta mesma categoria na premiação do Círculo de Críticos de Cinema Espanhóis, ainda mais tendo concorrido ao lado do infinitamente superior e mais audacioso Psiconautas: As Crianças Esquecidas (2016). Felizmente, no Goya – o Oscar da Espanha – a situação se inverteu, e por lá foi este último que saiu vitorioso. Pois, se um trata de meninos excluídos em um mundo pós-apocalíptico, combinando anseios por uma vida melhor com temas potencialmente polêmicos, como bullying e violência institucionalizada, o outro apenas se ocupa em mostrar como um cão de estimação é obrigado a se virar quando os seus donos saem de férias e o deixam em um hotel para cachorros.

Obviamente, nem mesmo As Aventuras de Ozzy se contenta em ser tão simplista. A virada de jogo está com a saída dos humanos de cena e a entrada dos animais – algo que, no entanto, não faz muito sentido. Pois o local onde Ozzy é deixado, na verdade, é apenas uma instituição de fachada. Assim que a família que o abriga vira as costas, ele é levado para uma prisão – de cachorros, porém também comandada por... cachorros! Neste novo ambiente, porém, ocorre a ‘humanização’ dos animais, e estes passam a agir como se fossem homens e mulheres, e não bichos domésticos. Há uma tentativa de explicar o golpe – o presídio serve como fábrica de frisbees, que são produzidos sob regime de trabalhos forçados pelos presos e comercializados pelo dono do hotel.

Mas isso pouco importa, pois a força propulsora do enredo é uma corrida que se dá atrás das grades entre carcereiros e presidiários. Cada lado escolhe o seu campeão, e o vitorioso tem direito a... bom, são sempre os guardas que ganham, então só lhes permite seguir humilhando os demais. A surpresa é que Ozzy é bom de perna, e logo é escalado para correr – pelas duas facções! Vito, o chihuahua bandidão, o quer como seu favorito, ao mesmo tempo em que o são bernardo diretor também o quer a seu favor, porém como inimigo infiltrado. A quem ele deverá obedecer? Essa, certamente, não será nenhuma novidade, uma vez que estamos falando de uma história absolutamente infantil, em que nem as referências a outros filmes de prisão – como Fuga de Alcatraz (1979) e Um Sonho de Liberdade (1994) – parecem funcionar, uma vez que o público ao qual se dirige com certeza nunca ouviu falar destes títulos.

Há alguns elementos que deveriam mexer com a imaginação do espectador mais apaixonado pelo gênero, mas são igualmente desperdiçados. Os proprietários do protagonista são desenhistas de histórias em quadrinhos, e várias conexões poderiam surgir a partir dessa relação. Ou os outros cães – os únicos bichos presentes em todo o filme – como os vizinhos, os colegas de prisão, e até mesmo os policiais, porém estas interações vão pouco além dos estereótipos típicos, como se não houvesse nenhum esforço em dotá-los de algo além do que é óbvio à percepção infantil. As Aventuras de Ozzy resulta, portanto, em algo tão genérico quanto o seu título, acrescido do fato de ser realizado com uma animação digital bastante rudimentar, que chega a provocar embaraço quando colocada diante de seus similares hollywoodianos. Afinal, o fato de ser direcionado aos mais pequenos não deveria ser desculpa para falta de qualidade ou interesse – muito pelo contrário, aliás. Uma lição que, pelo jeito, ainda não foi totalmente aprendida.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Grade crítica

CríticoNota
Matheus Bonez
5
MÉDIA
3.5

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