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Sinopse

Lotte é uma dedicada produtora de um programa de televisão que está noiva de um colega de trabalho, o popular apresentador. Quando ele decide terminar o romance, ela precisa se reinventar. Ao mesmo tempo, a irmã, que atua como influenciadora digital, começa a namorar seu chefe. Qual das duas conseguirá antes um casamento perfeito?

Crítica

É preciso muito esforço para imaginar um filme tão desprovido de ideias originais quanto Apenas Diga Sim. Produção da Netflix e filmado na Holanda, o longa é um belo exemplo da estratégia da gigante do streaming: se espalhar pelo mundo e arregimentar produções nos mais variados sotaques, mas restringindo a esse detalhe a sua “globalização”: em todo o resto – ambientação, cenários, dilemas, modos de atuar, figurinos – tudo se parece absolutamente igual. E quando se diz “igual”, se refere ao padrão mais difundido pelo resto do planeta: ou seja, um modelo hollywoodiano de ser. No caso aqui apontado, até o cartaz é uma imitação – é exatamente o mesmo do medíocre Noivas em Guerra (2009), uma comédia romântica tola estrelada por Anne Hathaway e Kate Hudson. E as semelhanças com outros títulos do gênero – e alguns até mais ambiciosos – não param por aí. Infelizmente.

Um dos tantos pesares que Forrest Gump: O Contador de Histórias (1994) deixou como herança foi sua estrutura, apontada como genial há quase três décadas, mas que hoje soa ingênua, na melhor das hipóteses. Para quem não lembra, aquele era um filme contado quase que na sua integridade em retrospecto, com o protagonista sentado em um banco da praça enquanto narrava as desventuras pregressas que o levaram até aquele momento. Bom, esse formato já foi tão repetido – até no nacional No Gogó do Paulinho (2020) é possível encontrá-lo – que ninguém mais aguenta. Menos entre os holandeses, pelo jeito. Pois é exatamente o que acontece com Lotte (Yolanthe Cabau, vista em Sem Dor, Sem Ganho, 2013), que aparece pela manhã num parque qualquer vestida de noiva e aparentando ter sido atropelada por um caminhão. Ao seu lado senta um desconhecido, e é o suficiente para que ela comece a desenrolar sua história.

Pois então, assim como qualquer exemplo de Cinderela às avessas, ela aparece – em flashbacks, como a maior parte da trama irá se desenrolar a partir desse ponto – como uma mulher descuidada e desajeitada. O que é artificial, pois se percebe que tal composição é falsa e exagerada, e que por baixo daqueles cabelos soltos e despenteados, roupas largas e – é óbvio – um óculos enorme de aros grossos está uma beldade esperando a oportunidade certa para desabrochar (o que não tardará para acontecer). Bom, essa mudança se dará quando ela, uma talentosa, porém subestimada, produtora de televisão, vê seu noivado com o mais popular apresentador da emissora ser rompido – por iniciativa dele – em frente às câmeras, com direito à transmissão em rede nacional. Depois de um banho de loja, um corte emergencial e uma boa maquiagem, ela estará novamente no jogo.

Tudo isso acontece – olha que novidade! – graças às dicas dadas pelo seu novo chefe, um cara de humor afiado e jeito de galã. Bom, só alguém muito tapado para não antever com bastante distância nos braços de quem a protagonista irá terminar. E se esse aspecto ‘romance de tabacaria’ é previsível e desprovido de maiores inspirações, a coisa se torna ainda pior quando se percebe a real intenção dos diretores Appie Boudellah e Aram van de Rest – dois homens, obviamente. Tanto a sinopse oficial quanto o cartaz de divulgação tentam vender a ideia de uma briga de mulheres, como se fossem duas noivas disputando o melhor casamento. Pois bem, não é nada disso que acontece. Quando o compromisso de Lotte é interrompido, poucas semanas depois a irmã – uma influenciadora digital sem noção – rapidamente engata um namoro (com outro homem, para não haver confusão) que logo se encaminha para uma troca de alianças. Entre as duas se poderia dizer que há, no máximo, um ciúmes dissimulado (nunca pelo noivo, mas pela condição, apenas). Ou seja, mais um exemplo de quanto tudo é forçado nesse cenário.

Resultado dos esforços conjuntos de uma equipe de seis roteiristas – quatro homens e apenas duas mulheres – Apenas Diga Sim não chega nem a justificar o próprio título (que é citado, mas não levado adiante como algo a ser considerado). Da mesma forma, quase todas as ideias são praticamente jogadas, sem serem trabalhadas de acordo com o potencial anunciado: o rapaz que está lhe ouvindo é não mais do que uma muleta, as melhores amigas tem perfis desenhados, mas não vão além dos clichês da sedutora selvagem, da abandonada pelo marido ou da fiel escudeira invejosa, e mesmo os acontecimentos ocorridos entre os personagens – traições, mentiras, demonstrações de inveja, conspirações, desrespeitos – acabam por se mostrar irrelevantes na hora de oferecer um final feliz a todos. Por muito pouco, não se vislumbra uma corrida ao aeroporto para uma declaração de amor improvisada. Falta coragem para assumir posições e deixar de lado uma postura misógina. Um desastre que por vezes é até pernicioso em seu retrato infantilóide e redutor a respeito das aspirações femininas.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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