Animais Perigosos

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Sinopse

Em Animais Perigosos, a vida de Zephyr vira de ponta cabeça quando é sequestrada pelo sanguinário Tucker, um serial killer com um modus operandi perturbador. Grande entusiasta de tubarões, ele transforma seus assassinatos em espetáculo, conforme grava suas vítimas sendo devoradas pelos animais em alto-mar. Horror.

Crítica

Num cenário de revisão e mudanças interessantes do terror contemporâneo, chama atenção ver um título sobre tubarões se inserir nesse movimento. Desde Tubarão (1975), o subgênero das barbatanas foi, na maioria das vezes, maltratado tanto pelo mainstream, em apostas como Megatubarão (2018), quanto pelo cinema B, em empreitadas como a saga Sharknado. O que torna Animais Perigosos distinto nesse filão é a tentativa de moldar personagens mais densos, menos descartáveis, e sobretudo investir em discurso que vai além de colocar a fera como centro narrativo. Ainda assim, o resultado não escapa de certos vícios estéticos.

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Na trama, Zephyr (Hassie Harrison) é surfista de espírito independente, acostumada a enfrentar ondas grandes e a projetar coragem no que faz. Após noite de diversão com Moses Markley (Josh Heuston), cruza o caminho do insano Bruce Tucker (Jai Courtney), sujeito atormentado que sequestra vítimas para oferecê-las a tubarões, filmando cada devoração com crueldade quase ritualística. Isolada no barco desse desconhecido, Zephyr precisa encontrar meios de escapar, lidando não só com a presença do algoz como também com a ameaça constante vinda do mar. O confinamento físico acentua a dimensão psicológica do embate e exige que o público respire sob a mesma tensão que sufoca a protagonista.

O jogo de gato e rato proposto por Sean Byrne, de Entes Queridos (2009), em parceria com o estreante Nick Lepard, revela lógica instigante pela reflexão e dinâmica pela ação. Tucker não é retratado como sujeito indestrutível, à maneira de Jason Voorhees (saga Sexta-feira 13), mas homem com falhas, ainda que raras, que o tornam mais crível em sua brutalidade. Da mesma forma, Zephyr não se resume a vítima passiva: reage, resiste e contra-ataca, sempre com margem de risco palpável. As fugas, os choques físicos e os encontros com tubarões são construídos de maneira eficaz. Porém, a obra consegue cumprir integralmente a promessa de dar substância ao que anuncia.

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Senão, vejamos: narrativa sugere que alguns seres humanos nascem para ser tubarões, ou seja, predadores, enquanto outros são peixes pequenos, fadados a serem engolidos. Tucker se enxerga conectado biologicamente aos animais marinhos, quase em estado de transe, e projeta em Zephyr uma semelhança. A questão é que, ao mesmo tempo em que tenta elaborar esse discurso, a obra entrega a ele força física desmedida, próxima de supervilão de histórias em quadrinhos. O problema é que tal hipertrofia não encontra paralelo em sua rival, deixando o embate desigual e comprometendo a alegoria.

Hassie Harrison materializa heroína marcada por padrões de beleza hegemônicos: loira, de músculos definidos e semblante angelical. Sua resistência física impressiona, mas o contraste com o porte avantajado de Jai Courtney acende a reflexão. Seria impossível imaginar uma atriz fora desses moldes encarnando Zephyr? Por que não alguém com sobrepeso ou estatura maior, que pudesse confrontar Tucker em condições mais verossímeis? A própria fala do antagonista – “respeito você, é um tubarão como eu” – reforça a contradição: a ele são concedidos atributos de predador, a ela apenas a resiliência de quem insiste em respirar fora d’água – e, ainda por cima, spoiler: mutilada. O resultado é uma força que funciona de modo conveniente ao roteiro, não como construção coerente.

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E, por fim, há detalhe incômodo: logo no início, Zephyr recusa emocionalmente um convite, e o roteiro sugere que sua resistência desencadeia toda a tragédia posterior. Não soa gratuito que a narrativa leve o espectador a pensar que, se ela tivesse cedido, nada de ruim teria acontecido. Essa conotação, mesmo involuntária, mina a potência do discurso que o longa parecia propor, invertendo o sentido da metáfora anunciada. Em vez de reforçar a ideia de liberdade, ressoa como punição pelo “não”, como se a protagonista fosse responsável pelo infortúnio que a consome. Animais Perigosos começa com a promessa de frescor e diverte no caminho, mas termina trazendo à tona velhas marés que dificultam o avanço da navegação.

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Fanático por cinema e futebol, é formado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Feevale. Atua como editor e crítico do Papo de Cinema. Já colaborou com rádios, TVs e revistas como colunista/comentarista de assuntos relacionados à sétima arte e integrou diversos júris em festivais de cinema. Também é membro da ACCIRS: Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul e idealizador do Podcast Papo de Cinema. CONTATO: [email protected]
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