Crítica


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Sinopse

Ander, um caseiro quarentão, leva uma vida rotineira, entre seu posto de operário em uma fábrica de bicicletas e os trabalhos agrários do sítio, onde vive com sua mãe e sua irmã. Um dia sofre um acidente e quebra uma perna, o que leva a família, apesar das desconfianças da mãe, a contratar um imigrante peruano, José, para realizar as tarefas do lugar. A chegada de José modifica a vida da casa e a vida de Ander, já que começa a ter sentimentos que não sabia que possuía, provocando nele um forte conflito interior.

Crítica

A trama de Ander ocorre num pequeno povoado do País Basco, onde Ander (Josean Bengoetxea) mora com a mãe e a irmã. A rotina desse quarentão abarca a lida campesina, ou seja, os cuidados com a propriedade da família, e a ocupação numa fábrica próxima dali. O cineasta Roberto Castón traz para o ritmo do filme a cadência da vida afastada das metrópoles, do que deriva o transcorrer compassado, no mais das vezes sem pressa para deflagrar e/ou desenvolver algo importante. A boa intenção, contudo, esbarra na ausência de habilidade, pois a lentidão passa a ganhar contornos de morosidade. São gastos preciosos minutos em sequências quase vazias de sentido, quando muito servidoras ao propósito de apresentar cotidianos repetitivos. O protagonista, por exemplo, acorda sempre no mesmo horário e recebe os cuidados da genitora que lhe prepara o desjejum antes dele começar a labuta que garante o sustento de todos. Um acidente, entretanto, muda as perspectivas.

Com a perna fraturada e, portanto, impossibilitado de se encarregar das demandas da lavoura e dos bichos da propriedade, Ander aceita a ajuda de José (Cristhian Esquivel), peruano contratado para substituí-lo. O forasteiro precisa lidar com a resistência da matriarca, que mal lhe dirige a palavra, mas encontra no patrão alguém simpático aos seus esforços. O realizador, então, desenha uma amizade crescente, sem quaisquer traços do que vem a seguir, no máximo ressaltando um ligeiro desconforto nas vezes em que o capataz é instado a ajudar o empregador a urinar. Ander procura esconder demasiadamente o desejo entre os dois homens, sequer fazendo menções de soslaio. Portanto, é de maneira abrupta que ocorre a guinada ao envolvimento amoroso deles, a partir de uma cena de sexo fortuito numa ocasião improvável. A vergonha do prazer experimentado leva ao vômito, o que nos faz acreditar na possibilidade da instauração de um dilema. Ele existe, mas, insípido, enfraquece o drama.

Roberto Castón faz uso frequente de elipses para tentar conferir mais dinamismo à narrativa. Porém, a falta de jeito, em meio a um roteiro que privilegia o laconismo, ocasiona nosso desprendimento gradativo das situações apresentadas. Ander perde considerável pungência na medida em que se dispõe a avançar ignorando instâncias intermediárias importantes para a maturação da ligação entre Ander e José. Fica difícil medir a intensidade do torvelinho de sensações que acomete ambos. Um deles, supostamente balançado pelo afeto nutrido por seu superior. O outro, lutando contra a vontade que lhe toma de assalto.  Embora a situação social do lugarejo, partindo da família nuclear, seja bem constituída, o que dá uma boa ideia das convenções vigentes por ali, o longa-metragem se ressente exatamente do contraponto oriundo da relação homossexual. Para compensar essa debilidade, há a presença de Reme (Mamen Rivera), prostituta da região que, à espera do marido, faz do corpo mercadoria.

Ander é calcado na conduta do protagonista, homem que obviamente tem dificuldade para expressar seus sentimentos. O grande problema no que tange ao desenho desse personagem é a apresentação trôpega da inconstância de seu comportamento, menos um atributo de personalidade, mais efeito colateral da concepção e, especialmente, da condução malogradas. O derradeiro capítulo, dos três que formam o filme, é o mais sintomático dessa falta de jeito, porque surge imediatamente após a fatalidade responsável por aproximar os proscritos, sendo que a única marginalidade verdadeiramente abordada é a da mulher. Roberto Castón evidentemente escolhe a via da sobriedade, evitando sobremaneira os registros de explosões sentimentais ou algo que os valha. Todavia, erra na dosagem, sufocando as emoções, tornando os desdobramentos desprovidos de veemência, ainda que se possa, perfeitamente, criar empatia pelos personagens e entender o contexto de suas dúvidas e sofrimentos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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