Amor, Sublime Amor

12 ANOS 156 minutos
Direção:
Título original: West Side Story
Gênero: Drama, Musical
Ano: 1208
País de origem: EUA

Crítica

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Sinopse

A cidade de Nova Iorque é marcada pela rivalidade entre duas gangues: os Jets e os Sharks. Respectivamente polonesa e porto-riquenha, elas se odeiam mortalmente e lutam diariamente pela dominação territorial de um bairro na zona oeste. Mas, as coisas se complicam quando os líderes desses grupos de apaixonam perdidamente.

Crítica

É emblemático que o homem que começou sua carreira assinando um filme sobre jaws (mandíbulas, mas que ficou conhecido como Tubarão no Brasil) chegue agora, quase cinco décadas depois, entregando um outro sobre sharks (tubarões, em inglês). Na verdade, não só sobre esses, mas também sobre os jets (jatos, em tradução direta). Mas não de forma literal, como a comparação pode levar um desavisado a concluir. Em Amor, Sublime Amor, esses são os nomes das duas gangues rivais que disputam o “controle”, como parecem acreditar, da zona oeste de Nova Iorque. Uns são porto-riquenhos, outros são de ascendência europeia (irlandesas, polacos, alemães). Todos destituídos de suas terras natais, obrigados a se mudarem em busca de mais oportunidades na guerra pela sobrevivência. A diferença é que, se os primeiros são recém-chegados, e aportaram nos Estados Unidos repletos de sonhos e esperanças, os segundos fizeram esse mesmo trajeto mais de um século atrás, tempo suficiente para que tais expectativas tenham sido demolidas, restando apenas o desespero por se agarrar ao mínimo que restou. Uns lutam pelo passado, outros estão dispostos a morrer pelo futuro. No meio deles, está um rapaz e uma garota. A mais antiga das histórias. E talvez por isso mesmo, a mais emocionante de todas.

Steven Spielberg declarou a vida inteira ser apaixonado pelos dois gêneros tipicamente hollywoodianos: o faroeste e o musical. Ambas as expressões, no entanto, que nunca havia tido oportunidade de se debruçar sobre – ao menos até agora, e a referência aqui é o segundo caso. A sequência de abertura de Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984) é, segundo o realizador, o melhor momento de todo aquele filme (que já declarou em mais de uma ocasião ter se arrependido de ter feito), não apenas por ser estrelada por Kate Capshaw (que se tornaria sua esposa), mas por ser um número musical à antiga, em homenagem à Era de Ouro do cinema norte-americano. Era o que de mais próximo havia realizado nesse sentido até se apropriar daquele que é considerado o maior musical jamais feito em Hollywood: Amor, Sublime Amor, que estreou na Broadway em 1957 e foi levado às telas em 1961 por Robert Wise e Jerome Robbins numa produção vencedora de nada menos do que 10 Oscars! Se o primeiro se tornou conhecido pelo ecletismo ao comandar títulos como a ficção-científica O Dia em que a Terra Parou (1951) e o clássico A Noviça Rebelde (1965), o segundo teve início e fim de sua experiência cinematográfica com esse projeto, um envolvimento que demonstra seu alto grau de comprometimento: havia sido responsável também pela versão dos palcos, e se dedicou por completo para que a adaptação levada às telas estivesse à altura da teatral. O que foi alcançado com êxito.

Tanto é por isso que, mesmo com tantas refilmagens, sequências e releituras, os grandes estúdios preferiram se manter distante de Amor, Sublime Amor ao longo dos anos seguintes. Isso, é claro, até o maior cineasta vivo decidir por essa aproximação. E assim o faz com tamanha reverência e criatividade que duas perguntas surgem de imediato ao espectador: que outro cineasta poderia ter empreendido igual – ou superior – abordagem, e, diante da excelência demonstrada, como pode ele ter demorado tanto para fazer deste estilo algo tão seu quanto as aventuras infantis, os dramas humanos e as maravilhas dos efeitos visuais? Spielberg sabe que sua missão não é simples: não apenas reinventar uma trama atemporal – a referência mais óbvia é Romeu & Julieta, de Shakespeare – mas há mais a ser dito, visto, dançado e cantado. Em cada um destes âmbitos, sua dedicação é completa. E não apenas dele: tanto à frente como por detrás das câmeras o que se percebe pelo conjunto apresentado é uma coesão do início ao fim, imbuídos em alcançar o melhor não apenas pela obra de hoje, mas também em respeito e reconhecimento a tudo exibido até então. Sabe bem que o agora é resultado de uma caminhada iniciada há muito tempo.

Riff (um incrível Mike Faist, de Panic, 2021, tanto pela garra como pelo medo que exibe no olhar) é o atual líder dos Jets, os homens brancos que acreditam serem donos da América. Mas as ruas lhes oferecem outra imagem, e o espaço que antes eram ocupados por eles agora estão dominados por outro sotaque. Os latinos estão vindo com força, e quem está à frente desses é Bernardo (David Alvarez, de American Rust, 2021, com a postura certa), que tem também outras preocupações, como a noiva (Ariana DeBose, que sabe dosar sua energia tanto na alegria como nos momentos mais tensos), que já avisou não ter paciência para suas rixas juvenis, e a irmã mais nova, Maria (a revelação Rachel Zegler, uma presença hipnotizante). Mas o inimigo não está sozinho, e se está em posição de comando, é porque o antecessor precisou se afastar por questões legais. Mas agora Tony (Ansel Elgort, galã como esperado) está de volta, e por mais que queira se manter afastado de confusão, isso não o impedirá de comparecer ao baile do bairro. Na pista de dança, tudo pode ser resolvido – ou iniciado. Pois é lá que Tony e Maria se encontrarão pela primeira vez. Quando os olhos dele cruzam com os dela, nada mais parece existir ou importar. Um irá se validar e existir a partir do que verá no reflexo emitido pelo outro. Mas o redor não pode ser ignorado. Seus irmãos e companheiros estão fazendo juras de ódio eterno. Para que fiquem juntos, se é que tal destino é possível, tal enfrentamento precisa acabar. Pois do contrário, serão eles próprios que irão se deparar com o fim.

No início do Amor, Sublime Amor anterior, Wise e Robbins optam por cenas panorâmicas de uma cidade explodindo em possibilidades, e vão do mais amplo, através de tomadas aéreas, até se concentrarem nos protagonistas do duelo, já em solo. Por mais que opte por configurar sua leitura no mesmo período histórico, Spielberg sabe que a realidade não correspondeu aquela anunciada, como os anos seguintes se encarregaram de mostrar. Por isso, agora o diretor parte em sentido contrário, saindo do mínimo – tijolos, pedras e destroços – para, aos poucos, ampliar o cenário de ruas e esquinas praticamente abandonadas, prontas para serem esquecidas e reconstruídas. Não um processo gentil de troca e aprendizado, mas algo violento que atropela e abafa qualquer manifestação oposta. Jets e Sharks não possuem esse entendimento, e se atacam desprovidos da ciência que precisam uns dos outros para, juntos, enfrentarem uma ameaça maior do que qualquer um deles. O amor que surge entre Tony e Maria, assim, é representativo não só da situação em particular em que se encontram, mas também dos anos de combate que os levaram até aquele ponto. Além disso, também da destituição e abandono ao qual serão condenados caso algo diferente não seja feito. Nesse aspecto, Valentina (Rita Moreno, em participação simbólica) se mostra importante justamente por combinar os dois lados: não apenas é a latina que se casou com um anglo-saxão, como também é a sábia idosa que permaneceu, a despeito de todas as adversidades.

Nada disso importaria, porém, caso Spielberg deixasse de lado a noção de espetáculo que permeia Amor, Sublime Amor do primeiro minuto até a sua devastadora conclusão. Dois elementos são fundamentais para a importância que confere a este viés. Primeiro, Moreno assina também como produtora, e como única remanescente do elenco original, sabe bem que, se for para mexer na perfeição, que assim se faça com propriedade. E segundo, as coreografias, por mais que invistam na reinvenção, são baseadas nos conceitos criados e desenvolvidos por Jerome Robbins há mais de meio século. Números inesquecíveis, como Maria, Tonight, America e Somewhere, continuam presentes e com a mesma força de antes, mas agora envolvidos por tamanha explosão de sentimentos e energia que se torna impossível permanecer indiferente ao drama que abraçam. Poderia ser apenas mais uma novela de amor, do tipo menino encontra menina, se apaixonam, brigam e ficam juntos ao final, mas o pano de fundo explora essa profundidade, seja pelo contexto histórico, mas também pela perspectiva que expõe, por tudo que foi visto e não assimilado, e também pelo muito que exibe como guia a ser evitado e entendido. A reflexão continua urgente, talvez ainda mais diante dos exemplos que agora se fazem presentes. Eis o mérito dessa abordagem: tanto sabe olhar para o ontem, como mantém firme sua visão para o amanhã.

Robledo Milani

é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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