Crítica


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Sinopse

Como é possível impulsionar as formas de levar a própria vida? Quais as diferenças entre a interpretação da vida, a partir da concepção científica e da concepção bíblica? A reflexão e o questionamento a respeito do que seriam os conceitos de alma (transcendentalidade) e matéria física (corpo), convenções, e rupturas.

Crítica

Inspirado no livro A Alma Imoral, do rabino Nilton Bonder – que no filme faz às vezes de entrevistador e mestre de cerimônias –, Alma Imoral é um esforço documental cuja força está na soma de bons testemunhos de pessoas que fazem da transgressão uma forma de transcendência. Parte delas, de formações e atuações bastante diversas, tem ligação com o judaísmo. Aliás, o início fica demasiadamente ancorado nas questões que tangem à fé, ao entendimento da existência de entidades superiores encarregadas de colocar alguma ordem no tecido aparentemente caótico do universo. O precioso por aqui é a variedade de exemplos, a multiplicidade de olhares sobressalente ao desprendimento de uma noção estritamente religiosa. As xilogravuras que entrecortam as falas, bem como as danças do grupo de Deborah Colker, emolduradas por sentenças lidas com um tom professoral, conferem um pouco de frescor a essa narrativa que visualmente logo cai numa mesmice.

Alma Imoral se atém insuficientemente a determinadas possibilidades, como as oferecidas pelo linguista e filósofo Noam Chomski. Sua manifestação coloca em conflito a existência de doutrinas, ou, ao menos, a noção de que elas estão fundamentadas na corrupção das leis. Assim como a participação dele, a de outros é bem diminuta, o que expõe um desequilíbrio em comparação às expressões que se alongam, assim, de forma desigual. Todavia, a multiplicidade gradativamente impõe uma teia de complementariedade, com representantes de demais pensamentos e inclinações adicionando camadas importantes ao entendimento dessa defesa da infração como algo essencial à experiência humana. A melhor dessas constatações diz respeito à figura de Jesus Cristo, nascido de uma conjuntura excepcional e de comportamento afeito às rupturas do estado das coisas. Sua contemporânea apropriação como símbolo do tradicional, do que deve ser cultuado, inclusive, contra os avanços oriundos das quebras, é um grande paradoxo. Uma pena não ser aqui estudado.

Silvio Tendler cerze bem a trama polifônica, mas demonstra pouca criatividade no que concerne estritamente ao âmbito imagético. As intrusões de outras formas de arte, especialmente a dança embalada pela voz de atores e atrizes conhecidos, logo adquirem sintoma de esquematismo, sobretudo pela repetição sem tantas variações. Falta dinamismo a Alma Imoral, mas sobram exposições bem-vindas à acurada compreensão de várias esferas, o que acaba equilibrando uma balança inicialmente pendente ligeiramente ao negativo. Empenhado em apresentar uma miríade de vozes, o cineasta se contenta, muitas vezes, com a deflagração sem a devida interpretação dentro dos contextos lançados. Isso, vide o espaço concedido aos rabinos homossexuais dispostos a modificar sensivelmente um pensamento interno, a confrontar a ortodoxia em função de uma nova ordem. Falta ímpeto para associar isso com o dizer do monge sobre a adequação das regras milenares.

Outra passagem potente de Alma Imoral é a formada pelas declarações paralelas de dois ex-combatentes, um palestino e outro judeu, sobre a forma como ambos alteraram suas percepções acerca dos lados considerados inimigos e de que modo foi possível criar uma iniciativa conjunta. Silvio Tendler desperdiça os potenciais dos artistas, como a atriz que faz performances desafiadoras, chegando a dirigir-se, vestida se Chapeuzinho Vermelho, aos soldados na fronteira, e a da cantora que encontra no abraço mútuo a solução para a crise de identidade rapidamente escrutinada pelo filme. No fim das contas, o saldo é positivo em virtude da substância dos entrevistados, da espessura das vivências projetadas por meio das falas resolutas e carregadas de sentido. O entrelaçamento deixa a desejar, gerando certa morosidade, esta também derivada da reiteração de procedimentos, sejam os relativos ao registro dos escolhidos ou aos subterfúgios para criar áreas de poesia.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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