Ainda Não é Amanhã

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Sinopse

Em Ainda Não é Amanhã, Janaína é uma jovem de 18 anos que mora com a mãe e a avó em um conjunto habitacional na periferia do Recife. Ela é a primeira pessoa da família a entrar na universidade, mas uma gravidez indesejada ameaça os planos que ela havia traçado. Drama.

Crítica

Este é um mundo de mulheres. O espectador que decidir assistir ao drama Ainda não é amanhã poderá se perguntar em mais de um momento da trama: “onde estão os homens?”. Será essa uma ficção científica ambientada em uma realidade alternativa? Estaremos diante de uma distopia na qual o ser masculino foi eliminado – ou talvez nem mesmo tenha chegado a existir? Nem um caso, menos ainda outro. Eles ainda estão presentes. Mas de forma tão ausente, que suas participações se justificam mais por uma questão biológica, do que, necessariamente, relevantes ao rumo dos acontecimentos. O cenário escolhido pela diretora e roteirista Milena Times parece ser específico, mas não chega a ser estranho a nenhuma das grandes cidades brasileiras. Nas periferias, são elas que tomam as decisões. Não porque assim querem. Mas por ser este o único jeito. Nesse ponto, a dramaturgia se aproxima sem meandros da realidade.

Janaína é filha de Luciana. As duas moram com Rita, avó de uma, mãe de outra. As três formam uma frente diante do que se passa lá fora. A matriarca está sempre atenta, cuida dos horários das refeições, reclama da porta fechada e não quer saber de segredos. Aquela que é tanto filha, quanto mãe, tem o trabalho com o que se ocupar, mas não se mostra desatenta nem de uma, muito menos em relação a outra. E quando percebe que algo talvez não esteja certo, não hesita em partir para o confronto. “O que está acontecendo?”, é a pergunta que não se sustenta sem resposta por muito tempo. Janaína, assim como a mãe – e, muito provavelmente, tal qual a avó – está grávida. Porém, seu futuro tinha tudo para ser outro. Nem bem deixou a adolescência, antes ainda de se poder dizer adulta. Está estudando, tem planos, uma vida pela frente. Não quer aquilo para si. Seu contexto pode ser diferente daquelas que vieram antes dela. Mas o dilema que agora deve enfrentar é o mesmo. Levar ou não adiante essa condição?

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A questão da maternidade na juventude, em uma sociedade séria e desprovida de preconceitos e visões distorcidas por meio de elementos como religião, conservadorismo e abusos de autoridade, deve estar atrelada ao debate sobre aborto. Filmes como O Acontecimento (2021) – Leão de Ouro no Festival de Veneza – e Nunca Raramente Às Vezes Sempre (2020) – Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim – ilustram com propriedade o quão difícil é propor essa discussão sob um viés maduro e sob o ponto de vista da parte mais diretamente afetada por tal evento: a mulher. Não por acaso, ambos possuem diretoras na condução. Assim como Ainda não é amanhã. Este talvez não alcance o mesmo nível de reflexão que os pares aqui citados. Mas o incômodo exercido em uma audiência que insiste em ignorar a urgência dessa decisão e o percurso feito pela protagonista, que tem ao seu lado apenas outras como ela, provocam o mesmo impacto.

Milena Times pode estar estreando agora como realizadora, mas está longe de ser uma novata. Indicada ao Prêmio Grande Otelo – o “Oscar” brasileiro – pelo curta-metragem Au Revoir (2013), foi assistente de direção de cineastas experientes como Kleber Mendonça Filho, Hilton Lacerda e Maya Da-Rin. Aprendeu de perto com alguns dos melhores, e essa segurança se verifica na condução de sua história. O trio de atrizes – Mayara Santos (Janaína), Clau Barros (Luciana) e Cláudia Conceição (Rita) – também se mostram cientes de suas responsabilidades e as executam sem tropeços. Mais do que uma denúncia de um problema pessoal, Ainda não é amanhã exerce um olhar bastante próximo sobre um assunto do qual não se contorna – pelo contrário, se enfrenta. A conversa está posta. E se nesse ponto o filme alcançou o mérito, o que mais dele se poderia esperar?

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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