Crítica


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Sinopse

Danny é um policial preso injustamente. Ao sair da cadeia, prioriza seu plano de vingança, mas se depara com uma malha de corrupção e criminalidade.

Crítica

Um velho truque para engajar plateias majoritariamente masculinas, ávidas por símbolos a ser seguidos e/ou admirados, é fazer do protagonista um irrecusável atrativo às mulheres. Num passado distante, em que falar diretamente de sexo era vedado às grandes produções hollywoodianas, o charme inapelável acabou predominando nesse sentido, vide os garanhões de Humphrey Bogart nos exemplares noir ou os vividos pelos diversos atores que interpretaram James Bond. Todavia, mesmo a função sendo a mesma, no fim das contas, anteriormente essa construção era diferente do elogio desbragado à virilidade que percebeu-se crescer à medida que certos códigos de produção foram (ainda bem) afrouxando. Agentes Duplos utiliza grosseiramente esse princípio do macho alfa irresistível, provavelmente como modo de oferecer ao espectador, principalmente aos homens sedentos por projeções canhestras, algo que os faça esquecer da bobagem restante. Danny (Karl Urban) é um policial injustiçado, trancafiado por alguns anos e tachado de corrupto, o que o faz ser alvo de muitos grupos. O objetivo de reparar a honra maculada aponta a uma noção de hombridade prevalente.

Não é nova a história do sujeito que assume uma missão praticamente suicida para limpar seu nome e de amigos arrolados na sujeira alheia. Para corroborar a filiação desajeitada à ideia de um protagonista tentador às mulheres que o circundam, o cineasta Bobby Moresco chega ao cúmulo de apelar acintosamente, como na cena em que Danny dialoga com a prostituta após uma noite de sexo, tão e somente para que ela diga o quanto ele é “especial”. Nessa ordem opera também a aproximação com a supostamente misteriosa personagem de Sofía Vergara. Obviamente as interações entre eles renderiam episódios de sexo, algo previsível por conta da forma como o realizador enfatiza os gestos de flerte em meio a diálogos dúbios. Porém, diferentemente de Humphrey Bogart ou Sean Connery, para citar apenas um dos principais James Bond, Karl Urban não sustenta essa aura de sex appeal. Ele mantém o mesmo semblante ao amar e interrogar suspeitos, mas por falta de tato, não porque tente apresentar uma personalidade endurecida por sofrimentos ou o que o valha.

Além da fragilidade instaurada entre a necessidade do personagem e o trabalho burocrático do ator, Agentes Duplos exibe uma clara vocação pela mera exposição. Na primeira sequência, por exemplo, a câmera chega a sublinhar com alguns segundos de antecedência que tudo está pronto para uma explosão. A forma como ela se movimenta em torno do personagem na casa, assumindo seu ponto de vista devagar e, adiante, rudemente deixando um espaço para que vejamos o lastro da detonação, é um indício forte desse tom. Mas a antecipação igualmente é fruto de um sério problema de montagem, já que esta poderia dar outra dinâmica à encenação pobre e à fotografia displicente. Tal lógica de jogral, que permeia o filme integralmente, se repete no encontro de Danny com seu mentor, Jimmy (Andy Garcia). O objetivo desse diálogo é rememorar como foi o julgamento que levou o protagonista anteriormente à cadeia. Inexplicavelmente, é o veterano que conta toda a experiência, quase como se o réu não estivesse no local. É uma revelação tola, direcionada ao espectador.

Agentes Duplos é minado por esses problemas de concepção e execução, a tal ponto que os pretensos labirintos pelos quais Danny transita em busca da verdade são desinteressantes. Isso acontece, inclusive, porque as perguntas formuladas pelo investigador ao longo da trama são respondidas ordinariamente, nos encontros mal formulados com especialistas e entendidos que abrem o bico sem mais aquela. Bobby Moresco não demonstra preocupação com as entrelinhas e por isso perde oportunidades valiosas para substanciar alguns subtextos. Quando o protagonista é solto, se torna vítima de constantes abordagens arbitrárias de policiais indignados que o veem como corrupto. Passando por cima da análise crítica de uma dinâmica do tipo “os fins justificam os meios”, o realizador sequer tem a sensibilidade para atentar aos procedimentos agressivos dos homens da lei. Já a mensagem edificante da segunda chance é construída tortuosamente sobre a impossibilidade, não fundamentada num entendimento sincero de que vinganças estão longe de enobrecer.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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