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Sinopse

No extremo norte da África, mais precisamente na fronteira com a Espanha, três indivíduos precisam lidar com problemas urgentes. Entre eles, terão que enfrentar uma jornada penosa; um reencontro emocionante; e um tormento motivado por uma forte culpa.

Crítica

A questão dos refugiados, por mais urgente que seja na vida real, tem servido também como um ingrediente bastante interessante ao olhar cinematográfico. Desde obras complexas, como o documentário Human Flow (2017), de Ai Weiwei, até séries como Little America (2020), produzida por Kumail Nanjiani, o tema do personagem que se precisa descobrir como se adaptar a um novo cenário que não o seu de origem parece ser um campo bastante rico para as mais diversas abordagens. Porém, em Adú, o que acaba acontecendo é justamente o desperdício da maioria dessas possibilidades, em troca de uma possibilidade de investimento em um melodrama mais incisivo, desgarrado. Isso não quer dizer que evite tratar de questões pertinentes ao assunto, mas essa abordagem se dá mais pela superfície, contentando-se apenas com a indicação, sem se propor a um mergulho mais profundo.

Salvador Calvo, cineasta indicado ao Goya pelo épico de guerra Os Últimos das Filipinas (2016), convocou dois dos protagonistas deste filme anterior, os ótimos e comprometidos Luis Tosar e Alvaro Cervantes, para interpretarem duas figuras centrais de Adú. No entanto, faltava ainda o personagem-título, que caiu nas mãos do jovem Moustapha Oumarou. Criança ainda na tenra infância, ele tem um desafio enorme pela frente: dar vida ao pequeno que precisa, praticamente sozinho, atravessar fronteiras e buscar auxílio em um outro lado do mundo na sua fuga para permanecer vivo. Voltar atrás, por mais que o preço para seguir em frente seja alto demais, não é uma opção a ser considerada. Cada confiança é uma aposta, cada passo dado é uma decisão que não permite pensar duas vezes. Ao mesmo tempo em que segue, vai deixando pelo caminho a própria pessoa que poderia ter se tornado.

Tudo acontece a partir do momento em que ele e a irmã, Alika (Zayiddiya Dissou), ao voltarem para casa, acabam presenciando um crime inafiançável. O que seria apenas uma brincadeira entre crianças, se torna num momento de rápido amadurecimento: os dois testemunham caçadores ilegais abatendo um elefante e extraindo os dentes de marfim do animal. As crianças conseguem fugir, mas deixam para trás a bicicleta que conduziam – e que é capaz de identificá-los. Não irá demorar para que os traficantes partam para cima deles. A mãe será a primeira a sofrer, e sem ter mais com quem contar, os dois precisam desbravar o desconhecido que encontram pela frente. Uma carona surge, uma parente distante os acolhe temporariamente, um estranho em situação similar pode servir de companhia. Aonde irá parar o pequeno Adú, que até então nada tinha, e agora teme perder tudo o que está diante de si?

Ainda que seja o nome do filme, a trajetória do menino em busca de uma nova chance responde por apenas um terço da história de Adú. Os outros dois vértices estão com Tosar, um agente-florestal e ativista que luta pela causa da preservação dos elefantes, e com Cervantes, um guarda fronteiriço que precisa impedir que imigrantes ilegais entrem na Europa (na Espanha, mas precisamente). A região onde atua é particularmente sensível: basta pular uma cerca para que a travessia seja feita. No entanto, numa das ações do seu pelotão, um dos refugiados acaba morrendo. O peso dessa morte estará não apenas nas costas de um, mas de todos os oficiais. Esse embate, no entanto, se dá de modo mais particular, sem grandes repercussões. Da mesma forma como lida o ambientalista que se vê incapaz de enfrentar caçadores de animais mais bem preparados do que ele, um triste paralelo que encontra também na falta de tato em lidar com a única filha.

Cada uma dessas tramas poderia ter rendido um grande projeto. Ao se esforçar para encaixá-las em um único longa-metragem, o roteirista Alejandro Hernández (Criminal: Espanha, 2019) força coincidências aleatórias e busca estabelecer laços que, de outra forma, nunca se sustentariam. Gonzalo (Tosar, rígido como um gigante prestes a cair), Mateo (Cervantes, conseguindo elevar seu personagem a mais do que um simples estereótipo) e Adú querem mais do que apenas sobreviver: buscam também um sentido para suas vidas. Para alguns deles pode ser algo imediato, como a próxima refeição ou um teste antidrogas, mas na maior parte das vezes querem saber se todos os seus esforços encontrarão algum resultado, seja para eles, ou para aqueles que, de uma forma ou outra, acabam afetando. Assim, descrito, parece bonito. É de se lamentar, portanto, que mesmo com um material tão rico como esse, os realizadores acabem se contentando em apenas apontar os conflitos, e nunca se debruçar sobre suas causas – e muito menos nas futuras consequências.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
5
Francisco Carbone
3
MÉDIA
4

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