Crítica


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Sinopse

Para aprimorar um rádio de comunicação com extraterrestres, Ronaldo e sua irmã viajam ao Acampamento Intergaláctico. Mas, eles acabam descobrindo que o instrutor do local é exatamente um alienígena encalhado.

Crítica

A saúde de qualquer cinematografia também se mede pela atenção que ela dá ao espectador infantil. Afinal de contas, além de contemplar uma fatia numericamente significativa da população, há a questão essencial da formação de público. Como queremos que as crianças de hoje consumam cinema nacional amanhã se elas não são encorajadas desde cedo a isso? Nesse sentido, é bem-vinda a iniciativa do youtuber Ronaldo Souza, mais conhecido na internet como Gato Galáctico, de produzir/estrelar seu primeiro longa-metragem. No entanto, num panorama relativamente recente em que tivemos o sucesso da Turma da Mônica levada às telonas e às telinhas e no qual os Detetives do Prédio Azul também transitaram satisfatoriamente entre cinema e TV, Acampamento Intergaláctico chega mais como um passo atrás do ponto de vista da qualidade e da perspicácia ao conversar com os pequenos. Ele reproduz códigos narrativos e de estilo bastante disseminados por programas estrangeiros exibidos na TV por assinatura. É algo muito parecido com o que Luccas Neto vem fazendo igualmente em âmbito multiplataforma. As semelhanças estão no tom dos protagonistas e nas companhias que os ajudam a “salvar o dia”. O personagem principal é Ronaldo (Ronaldo Souza), rapaz beirando os 30 anos de idade que conserva um ar sonhador. Diante dele, sua irmã caçula Marina (Marianna Santos) parece sempre bem mais adulta e sensata. Aliás, a comparação com Luccas Neto se repete nisso.

Assim como Luccas, Ronaldo aposta numa persona curiosa (às vezes beirando o irritante) para se comunicar com o público infantil. O protagonista de Acampamento Intergaláctico sofre do que podemos chamar de “Síndrome de Peter Pan”, pois se recusa a amadurecer e seguramente não tem uma idade condizente com seu comportamento infantilizado. A mensagem é clara: não deixe a criança morrer dentro de você. No entanto, há sempre um coadjuvante para denunciar esse aspecto espalhafatoso, bem como as ideias ridículas de Ronaldo, quase como se estes fossem vozes de uma plateia menos atraída pelas atitudes imaturas. A trama do longa-metragem de estreia do Gato Galáctico nas telonas é claramente inspirada em programas norte-americanos que se tornaram praticamente hegemônicos quando o assunto é o entretenimento infantil na TV fechada do Brasil. Um adulto infantilizado cercado de crianças mais inteligentes e ponderadas do que ele vive altas aventuras utilizando um figurino multicolorido e demonstrando que a pureza do coração é o grande combustível dos vencedores. É preciso sempre ponderar: estamos falando de uma produção voltada ao público infantil que, por isso mesmo, nunca se aprofunda nos dramas e está pouco atenta à maneira como os problemas se resolvem. Porém, convém não tratar a iniciativa com condescendência por ela falar com os pequenos, como se essa fatia dos espectadores não merecesse ser contemplada com expertise cinematográfica.

Acampamento Intergaláctico está muito longe da sagacidade das produções cinematográficas e televisivas da Turma da Mônica e dos Detetives do Prédio Azul – e voltamos às comparações por conta de os modelos citados serem mais bem-sucedidos quando o assunto é audiovisual live-action brasileiro voltado às crianças. O cineasta Fabrício Bittar não aposta em nada muito elaborado do ponto de vista visual, se contentando em contar uma história repleta de incongruências e soluções fáceis para problemas enormes. Ronaldo e sua irmã estão tentando tornar conhecida a invenção de um rádio capaz de permitir a comunicação com extraterrestres. Os julgadores de um concurso são convencidos quanto à capacidade dos irmãos depois de um número musical, o que poderia brincar com certa sisudez atrelada aos métodos científicos. No entanto, não é isso o que acontece. O filme é tão descuidado quanto aos próprios discursos que se esquece de tornar consistente algo como a valorização da criatividade e da intuição. Marina é racional enquanto Ronaldo é quase todo emocional. Está pronto o terreno para a constatação de que juntos eles são imbatíveis. Porém, antes dessa lição de moral ser empurrada goela abaixo do espectador, os criadores se esquecem de atribuir aos personagens aquilo que eles dizem. E, no meio desse caminho, as características humanas, as rivalidades e os contratempos se perdem.

Para uma produção claramente preocupada com os eventuais aprendizados de seu público-alvo, Acampamento Intergaláctico dá umas escorregadas feias enquanto desenvolve uma trama frouxa e repleta de conveniências. Em certo momento, Marina renova a sua vocação para ser a voz da razão ao dizer que não quer ser escolhida por causa de uma música, pois gostaria de ter seus métodos científicos valorizados. Para convencer a caçula, Ronaldo faz um discurso sobre como os fins justificam os meios, algo bastante problemático em diversos sentidos. No entanto, o principal ruído do filme é justamente a sua estrutura, na qual as cenas são costuradas com frouxidão. Essa displicência cria um amontoado de passagens/diálogos sem qualquer intensidade. Barreiras caem, vilões se revelam, planos são muito explicadinhos para o público não se perder, num itinerário pobre estética e narrativamente falando. Fabrício Bittar lança mão de coisas de gosto bastante duvidoso, como uma bazuca anal para derrotar momentaneamente o malfeitor – o experiente ator Blota Filho é colocado na situação constrangedora de ficar de quatro e ter um flato produzido em computação gráfica que sai em direção ao oponente. Mais adiante, algo semelhante acontece com o arroto construído digitalmente. A história é tola, as amarras são fracas e nem mesmo a mensagem de colaboração é satisfatória. A comemorar o fato da produção brasileira para crianças. Mas, precisava ser tão voluntariamente grosseira?

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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