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Sinopse

Uma mulher mira o horizonte em meio a rememorações de um amor do passado . A música entra para embalar essa relação com as lembranças que ora enternecem, ora provocam dor.

Crítica

Para além da pouca expressão da cinematografia catarinense, o que por si faz de Abrindo as Janelas do Tempo uma experiência incomum, há o fato do longa ser um musical. Não há sequer uma fala durante os pouco mais de 60 minutos de duração dessa história entrecortada repetidamente pela participação do Cantadores de Engenho, projeto que registra a história e a cultura popular de Bombinhas, a menor cidade de Santa Catarina, conhecida por suas paisagens idílicas e, assim, convidativas ao turismo. Uma das grandes fragilidades do conjunto, talvez a sua maior, é a dificuldade para encaixar os integrantes como parte orgânica da diegese. Especialmente nas incursões iniciais, sobressai incomodamente a sensação de que os excertos cantados se tratam de pequenos videoclipes costurados forçosamente. Portanto, a representação audiovisual das canções domina tortuosamente parte considerável do desenvolvimento dessa trama com constantes idas e vindas.

Todavia, Abrindo as Janelas do Tempo repetidas vezes apresenta boas ideias que arrefecem suas visíveis fragilidades conceituais (e as de execução). A presença dos músicos em alguns momentos é menos desajeitada ou meramente exemplificadora. Em passagens pontuais, o cineasta Santiago José Asef introduz os artistas como entidades imperturbáveis pelo tempo, que perpassam pontos cronológicos diversos. A protagonista é uma mulher ora interpretada por Célia Rabelo, ora por Cilene Borba. A idosa, diante da imensidão do mar – numa cena visualmente muito bonita –, se desfaz do artefato que invariavelmente lhe ancora saudosamente no passado. As rememorações transitam pela meninice em que ela recebeu o cordão de Nossa Senhora dos Navegantes de um garoto que imediatamente depois se mudou. Essa construção de um amor revivido adiante beira o pueril, mas também há de se louvar os pequenos fulgores de um bonito romantismo por ali vigente.

Abrindo as Janelas do Tempo oscila entre as justaposições poéticas e os fragmentos encenados com o intuito principal de valorizar o lirismo da música. O realizador não se decide entre fazer um filme no qual as canções, mesmo imprescindíveis, sejam subordinadas à lógica da dramaturgia ou simplesmente projetar o conteúdo das letras no comportamento dos personagens. Uma vez que as pessoas não falam, quase toda a carga dramática depende de como a montagem estabelece pontos de atração e fricção entre os planos e, em semelhante medida, do modo como a música entra nessa equação, seja para sublinhar certas dinâmicas ou auxiliar no desenrolar do enredo. Sequências como a do homem (vivido por Paulo Gordert) se aproximando da mulher amada num baile estão no âmbito positivo, aquele alimentado ocasionalmente por ótimas tiradas, devidamente transpostas com gosto à telona. Já outras pecam pelo excesso de explicação, por um didatismo que soa bem ingênuo.

Santiago José Asef acerta aqui e erra acolá, deixando que Abrindo as Janelas do Tempo seja prejudicado por sua falta de experiência. Quanto à apropriação da linguagem do filme musical, ela se dá também nessa tônica claudicante, pendendo mais ao ordinário, mas contingentemente atingindo resultados para além do banal. No que diz respeito ao trabalho dos atores, todos amadores e integrantes do Cantadores de Engenho, ele está completamente subordinado ao desempenho da montagem, numa opção inteligente da direção. Não passa despercebida a valorização da cultura local, essencial como baliza ao projeto que deu origem ao longa, vide as tomadas de comidas típicas e os costumes que delineiam a singularidade da região, bem como a das pessoas que nela habitam. No fim das contas, se trata de uma realização sobremaneira problemática, com expedientes frágeis, mas dotada da capacidade de frequentemente surpreender o espectador com lampejos de beleza.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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