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Sinopse

O francês Philippe Petit quer andar sobre um cabo de aço entre as duas torres do World Trade Center. Com a ajuda de um esquema feito de amigos, perspicácia e muita ousadia, ele tenta colocar seu arriscado plano em prática.

Crítica

Desde que o cinema existe, há mais de um século, sempre foi encarado como palco de incríveis inovações tecnológicas. Com o passar dos anos, atualizações e descobertas se fizeram necessárias de tempos em tempos, principalmente para não se perder na poeira de outras formas concorrentes de entretenimento e cultura. Assim tivemos o cinemascope, o uso das cores, o aproveitamento do som. E, enfim, o malfadado 3D. Longe de ser algo recente, há décadas esse meio de exibir imagens tem aberto espaço para experimentações com número variável de adeptos, porém sem nunca atingir a unanimidade. Com a virada dos anos 2000 o formato voltou com força, e a partir da adesão de cineastas de respeito como Martin Scorsese, Ang Lee (que ganhou um Oscar pelo uso) e até Jean-Luc Godard (premiado em Cannes com sua obra), parecia, enfim, um movimento irreversível. Mas nada disso se compara ao que Robert Zemeckis alcança em A Travessia, provavelmente o primeiro filme a usar a terceira dimensão como elemento imprescindível para sua fruição.

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Baseado em uma história real já levada às telas – no oscarizado documentário O Equilibrista (2008) – A Travessia resgata, agora através da ficção, a incrível – porém simples – aventura de Philippe Petit, um rapaz francês que deixou sua terra natal com uma ideia fixa na cabeça: cruzar sobre um único cabo suspenso o espaço entre o topo das duas torres do extinto World Trade Center (estamos no início dos anos 1970, que fique claro). O desafio, portanto, era sair vivo ao cruzar à céu aberto um caminho de mais de 60 metros de distância a uma altura absurda superior aos 400 metros – na época, os dois eram os mais altos edifícios do mundo. O mais curioso, no entanto, é que tal feito era – e similares até hoje são – completamente ilegal e proibido. Ou seja, para que o protagonista realizasse seu intento, tudo deveria ser feito às escondidas, sem o conhecimento das autoridades, tornando a peripécia ainda mais arriscada.

Para usar uma palavra que o próprio Petit costuma empregar ao se referir ao ocorrido, o filme de Zemeckis assume a inteligente postura de ‘história de golpe’, ou seja, como se fosse um assalto a banco ou qualquer outra produção semelhante. O protagonista ganha corpo no competente Joseph Gordon-Levitt, que mudou inclusive fisicamente para se aproximar do personagem que retrata, em uma entrega visceral e enérgica. Aos poucos começa a agregar outros lunáticos que não só acreditam no seu sonho como se dispõem a ajudá-lo na missão. Começa pela namorada, uma artista de rua interpretada pela canadense Charlotte Le Bon. Depois surge o fotógrafo vivido por Clément Sibony. Há ainda o mestre que lhe dá os mais sábios conselhos (Ben Kingsley, com a autoridade necessária ao papel) e outros companheiros de última hora, como um hippie com bons contatos (James Badge Dale) e o funcionário dos prédios que irá lhes garantir um acesso mais facilitado ao telhado (Steve Valentine).

Todas as peças se encaixam, e enfim presenciamos Philippe Petit alcançar sua ambição. Sem esbarrar em spoilers – afinal, sabe-se de antemão o resultado dessa empreitada – o mais interessante aqui não é exatamente o que acontece, e sim como tal jornada se dá. Durante cerca de quinze minutos (na vida real foi quase uma hora, andando de um lado para o outro da corda) acompanhamos nosso herói realizar algo que para a absoluta maioria da população seria completamente impensável. No entanto, além da óbvia mensagem de que basta acreditar para conseguir, ressalta aos olhos a competência técnica do diretor e de sua equipe, que ao invés de fazer com que os elementos cênicos saltem em nossa direção, promove o contrário, levando-nos até o alto das torres e nos colocando lado a lado com um maluco que, mesmo que tenha duvidado em um momento ou outro, foi forte o suficiente para seguir em frente. Assim atingimos o impensável, em sequências capazes de literalmente tirar o fôlego – ou provocar mal estar nos mais frágeis – emulando uma vertigem que raramente se vê hoje em dia, de tão amortecidos que estamos com os exageros dos efeitos especiais hollywoodianos. Menos, definitivamente, é mais.

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Eficiente em manter suspense mesmo diante um final já conhecido, A Travessia é uma surpresa do início ao fim, seja pela forma tranquila com que a narrativa vai se entranhando na rotina dos personagens, aproximando-nos deles, de suas crenças e incertezas, até pela universalidade adquirida por um episódio tão singular. Se voar é para os pássaros e magia é algo para se ver apenas no picadeiro circense, Petit, Zemeckis e Gordon-Levitt mostram aqui que o além do pré-concebido pode estar muito mais próximo do que o imaginado num primeiro instante. Arrebatador em seu visual e emocionante em sua condução, dotado de um bom humor singular e comovente na medida certa, tem-se aqui um filme que literalmente coloca a audiência dentro da tela, ao invés de levá-la para fora. E quem não quer fazer parte da fantasia cinematográfica? Destino melhor não há, tanto na realidade quanto na ficção.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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