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Sinopse

Náthalie Siqueira é uma jovem designer brasileira responsável por criar o protótipo de um aplicativo focado na educação sexual e a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis para jovens e adolescentes. Durante uma jornada à África do Sul, conhece Saidy Brown, uma jovem conhecida mundialmente por publicar no Twitter seu status de soropositiva, e visita a ONG de Mandisa Dlamini, um órgão responsável por cuidar de crianças e adolescentes em situação de risco e preservar a memória da mãe de Dlamini, que foi assassinada em 1990 por ser HIV positivo.

Crítica

Antes de qualquer imagem aparecer na tela, o letreiro dá conta do itinerário que precedeu a realização de A Tecnologia Social. O programado anteriormente era a produção de um documentário sobre um evento de premiação das melhores iniciativas tecnológicas visando a prevenção da AIDS, desenvolvidas numa maratona ocorrida no Brasil. A falta de financiamento alterou o plano original. Somado a esse relato puramente contextual, há a afirmação de que o filme possível se configurou numa jornada de transformação para a programadora Nathalie Siqueira. Todo o preâmbulo intenta nos aproximar dessa jovem que desenvolveu a ideia de uma rede social na qual seria possível discutir questões de ordem sexual. Ela própria comenta isso para um interlocutor, diante da câmera desleixada que a registra sem cerimônias, como se a observasse naturalmente. A cineasta Patricia Innocenti parece bastante desnorteada diante do material, dos encontros, deixando evidente a falta de algo que funcione como linha mestra.

O dispositivo em A Tecnologia Social se comporta como uma testemunha não intrusiva, mas não por depuração do método ao ponto de “desparecer” em contato com os personagens. É conferido um espaço significativo à compreensão da personalidade de Nathalie, principalmente nos extensos monólogos em que ela fala sobre a importância de desmistificar a sexualidade, inclusive, para que haja um combate mais eficiente à disseminação das DSTs. Já em terras africanas, ela conhece Saidy Brown, com quem se corresponde constantemente. A sul-africana é portadora do vírus HIV e sua interação com a brasileira é celebrada abertamente como uma espécie de ponte necessária entre os povos. Deixando evidente a sua inexperiência, Patrícia – tarimbada fotógrafa de still, mas que aqui faz sua estreia na direção – é demasiadamente enfeitiçada pela riqueza das histórias contadas por pessoas em cena e fora dela. Prova disso, as tomadas longas, repetitivas, que denotam essa hesitação em cortar.

Corroborando a fragilidade conceitual observada, há uma completa sujeição à nobreza do relato quando as duas amigas encontram Mandisa Dlamini, responsável por uma ONG de atuação imprescindível num dos bairros mais pobres do país. Sem deter-se num ponto específico, tampouco dando espaço para que Nathalie interaja devidamente com a mulher, a cineasta se concentra basicamente na exposição de uma lição de vida, novamente demonstrando incapacidade de síntese e justaposição para a criação de uma narrativa contundente. Filha de uma mulher vitimada pelo preconceito e pela brutalidade locais, a anfitriã fala longamente sobre a necessidade de ensinar prevenção, relembra fatos dolorosos do passado, explica como funciona a colaboração com as parceiras voluntárias, isso tudo diante das duas visitantes praticamente paralisadas. A brasileira, em dado momento, cai no choro, reivindicando involuntariamente o protagonismo que a diretora lhe nega largamente.

Ao invés de focar-se na previamente celebrada jornada de transformação da protagonista, A Tecnologia Social se contenta em apresentar um choque de realidade, sequer debruçando-se sobre seu impacto imediato. O choro catártico da menina que entende o abismo gigantesco que a separa daquela miserabilidade é insuficiente para pontuar a força dramática do momento. A forma como o filme se aproxima das questões é simplista, praticamente jornalística pela incapacidade de ressaltar a poética das interações humanas em voga, isso para além do abalo instantâneo oriundo dos dados. A opção por uma fotografia despojada soa como expediente conveniente, mas está em consonância com a proposta diretiva, também inconstante. No fim das contas, é um exemplar focado na observação da relevância da proximidade dos infortúnios alheios, bem como do contato humano à geração de empatia entre pessoas distantes geográfica e socialmente. Nobre, mas cinematograficamente frágil.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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